São Paulo, terça-feira, 20 de junho de 1995
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Em nome do bem público

HERBERT DE SOUZA

Público. Esta é a palavra-chave do momento e contém a solução para um grande debate que atravessa a sociedade brasileira: privatização ou estatização? Mercado ou Estado?
O mercado é o deus do privado e se apresenta como se pudesse resolver todos os problemas da humanidade. Pela via do mercado tudo se resolve. O ator principal do mercado é a empresa privada, sempre eficiente, honesta, flexível, inteligente. Em contrapartida está o estatal. O Estado é pesado, deficiente, burro, burocrático, incapaz de resolver os problemas, passivo da corrupção.
O que há de verdade em tudo isso? Nem o mercado nem o Estado são capazes de resolver os nossos problemas. Isso só é possível se for introduzido na equação um outro elemento: a sociedade civil, o cidadão e o conceito de público, que não é necessariamente privado ou estatal.
Isso porque podemos ter um privado com sentido social, um estatal com sentido privado e podemos ter ambos ineficientes, corruptos e incapazes.
A referência básica para avaliar o privado e o estatal é a democracia: serve o privado à democracia? Serve o estatal ao bem de todos? Serve ao público, a todos? É aí onde entra o conceito de público como critério para se definir a função democrática do privado e do estatal.
O público, segundo o dicionário ``Aurélio", é ``o relativo, pertencente ou destinado ao público, à coletividade. Relativo ou pertencente ao governo de um país. Que é de uso de todos: comum. Aberto a quaisquer pessoas. Que se realiza em presença de testemunhas; que não é secreto". Fiquemos com o sentido mais comum: público é o comum, o de todos, o que tem um sentido universal, social. O público é o campo da democracia, sem democracia só há o privado ou o estatal.
O público é o que nos permite hoje escapar desse dilema entre privado e estatal, entre mercado e Estado, entre o direito de uns poucos e o de todos.
Nesse sentido, o público é o espaço da solidariedade, da igualdade, da participação, da diversidade, da liberdade. Enfim, o público é a expressão da democracia aplicada ao conceito do que deve e pode ser universal. Mas é também um modo de pensar a reorganização de nossa sociedade marcada por essa dicotomia entre o privado e o estatal.
Queremos um outro modo de ser social, de equacionar essa relação entre o Estado, o mercado e a sociedade. Empresas que, privadas ou estatais, sejam públicas e democraticamente geridas e apropriadas. Serviços que estejam abertos ao público, a toda a sociedade. Instituições que tenham o sentido do social.
Estamos num momento em que o conceito de público vem buscando a sua forma jurídica e, principalmente, o seu espaço em nossa cultura política.
Privatização ou estatização, e por que não empresa pública sob o controle da sociedade? Em vez de grandes conglomerados que definem o que fazer a sete chaves, por que não conglomerados geridos com a participação democrática da sociedade, da cidadania?
Não estamos propondo que não haja espaços privados, onde cada pessoa possa exercitar sua privacidade e defender seus direitos. Essa seria uma forma de totalitarismo do social sobre o pessoal, o individual. Também não estamos propondo a eliminação do estatal, naquilo pelo qual só o Estado pode e deve se responsabilizar, como as questões da segurança, a garantia dos direitos, a proteção contra o abuso do privado contra o público.
Estamos propondo que o democrático seja abrangente, que o público seja a forma democrática de existir e equacionar os problemas de todos, em que a cidadania se realiza em toda a sua universalidade.
Com o conceito democrático do público poderemos escapar desse falso dilema entre privatização e estatização, entre o privado e o social, entre o eu e o nós. E, principalmente, escapar da falácia do mercado e dos perigos autoritários do Estado. O público inaugura a era da cidadania, encerra a era do individualismo e do estatismo.

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