São Paulo, sábado, 24 de junho de 1995 |
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Fowle era fotógrafo à maneira clássica
UGO GIORGETTI
Foi o técnico estrangeiro mais importante contratado pela Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Chegou ao Brasil a tempo de ver os estúdios da Companhia serem erguidos e, desprezando suas opiniões, erguidos erradamente. ``Chick" Fowle não era um sentimental. Na nossa última conversa, às vésperas de sua partida, as despedidas foram apenas um tópico que durou trinta segundos. No resto do tempo, estivemos falando exatamente do mesmo assunto que sempre ocupava nossas conversas: cinema. Durante anos, geralmente nos fins de tarde, eu ia até a velha rua Fortaleza, onde ficam os estúdios da Linxfilm, e sempre parava para uma conversinha na sua sala, que ficava à esquerda de quem entrava na montagem. A conversa começava sobre a Inglaterra, o Brasil, qualquer coisa, mas terminava sempre sobre negativos, contratipos, masters, trucagens, procedimentos de filmagens. Partilhava com outros grandes fotógrafos que para cá vieram e aqui ficaram -Kimiiki Kato, Juan Carlos Landini, Rudolf Icsey, Jaques Deheinzellein, só para citar alguns- a convicção de que cinema também se aprende a fazer e que talento natural é apenas uma das condições básicas para se realizar um filme. Sabia que a apreensão e o domínio da técnica cinematográfica não deveriam ser um fim em si mesmo. O apuro e o rigor não deveriam servir a um pseudo-esteticismo a embelezar filmes vazios e estúpidos. Ao contrário, o domínio técnico era fundamental para que idéias fossem expressas adequadamente e pudessem ser apreciadas. O conhecimento de como fazer cinema no Brasil -e há esse conhecimento, sim- foi largamente ampliado por pessoas como ele. ``Chick" Fowle, na sua essência, era um grande diretor de fotografia à maneira clássica, sempre ao lado de seus diretores, entre os quais ele discretamente destacava Lima Barreto e Anselmo Duarte. A maneira de se relacionar com diretores e equipes derivava de uma conduta pessoal e foi outro exemplo que esse inglês nos deixou. Mesmo acossado pela idade e pela doença que a cada inverno tornava sua vida mais difícil, nunca alguém ouviu qualquer queixa ou lamentação. Nunca deixou de trabalhar, ainda que isso lhe impusesse um esforço tremendo. Para me despedir dele, três dias antes que ele deixasse o país, tive de ir encontrá-lo onde sempre esteve. Na rua Fortaleza, na Linxfilm. Um ano depois, na última sexta-feira, 16 de junho, numa pequena cidade perto de Londres, Henry ``Chick" Fowle morreu. Gostaria de pensar que a última imagem que passou diante de seus olhos tenha sido um bando de cangaceiros selvagens, cavalgando lentamente em contraluz, recortados em um céu lívido, impenetrável e desesperado. Texto Anterior: Relançamento atesta declínio de Tim Maia Próximo Texto: Belo Horizonte ganha primeira sala multimídia Índice |
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