São Paulo, domingo, 25 de junho de 1995 |
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"Segurou o coração; parecia pêra" "Morreu de hemorragia interna e externa. `A vida de toda carne é o sangue', está nas escrituras. Foi atingida a subclave esquerda. Nas mãos enluvadas o legista segurou o coração da mulher. Parecia uma pêra; escuro. "Duzentos e vinte e cinco gramas, disse ele, pesando na balança. "Não foi atingido. Os órgãos foram todos jogados de volta, para dentro do corpo. Com uma agulha curva, o enfermeiro coseu o imenso corte. O encéfalo posto dentro do crânio, o couro cabeludo puxado para trás e cosido também. O rosto da mulher surgiu novamente, olhos abertos, boca aberta. "Acabou, disse o legista. "Fiquei até o fim, disse o homem que assistia. "Ficou, ficou sim, disse o legista, tentando disfarçar o desapontamento de sua voz. "Agora vou-me embora, continuou o homem, falando baixo. "Vai, vai, disse o legista, com certo desalento. Os dois olharam-se nos olhos, com um sentimento escuro, viscoso, mau. O homem começou a sair da sala de autópsias. Os dentes cerrados, só pensava numa coisa: "não posso correr, não posso correr; andava lentamente, rígido, como um soldado de regimento inglês desfilando. Quando chegou na sala de espera, a mesma estava vazia. "Foram embora, murmurou entre dentes, "foram embora. Desceu pelo elevador. Na porta da rua o sol bateu em cheio no seu rosto. Ele fechou os olhos e cobriu-os com as duas mãos. Disse: "Putaquepariu, ainda com as mãos no rosto. Abriu a boca como se estivesse com falta de ar. Isso por poucos segundos. Logo em seguida descobriu o rosto, olhou para os lados para ver se alguém o observava e compôs sua fisionomia. Trecho extraído do conto ``Duzentos e Vinte e Cinco Gramas", publicado no livro ``Os Prisioneiros" (1963) Texto Anterior: Escritor retribui em livro o asco causado pelas lições de anatomia Próximo Texto: "Enquanto isso, eu vomitava" Índice |
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