São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995
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FHC recua nas concessões a desaparecidos

EMANUEL NERI
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) vai usar a crise militar do Chile para recusar parte das reivindicações dos familiares de mortos e desaparecidos políticos do Brasil.
A Lei de Anistia, de 1979, isentou de crimes tanto os que lutaram contra o regime militar (1964-1985) como os militares que combateram a luta armada.
Os familiares não reivindicam punição. Querem que o governo reconheça formalmente as mortes dos 152 desaparecidos e crie comissão para apurar as circunstâncias em que elas ocorreram. Ao todo, 369 pessoas foram mortas.
No Chile, o general Manoel Contreras se recusa a cumprir pena de sete anos de prisão pela morte do chanceler Orlando Letelier.
Os militares chilenos têm mais poder formal do que os do Brasil. O general Augusto Pinochet, que liderou o golpe de Estado, em 1973 (no qual morreram 2.000 pessoas), continua no comando do Exército.
As negociações entre os familiares de desaparecidos e FHC começaram na campanha eleitoral. Na época, um representante do candidato assinou documento se comprometendo com os pedidos.
Como presidente, FHC teria afirmado ao secretário da Anistia Internacional, Pierre Sané, que não pretendia atender às reivindicações por se tratar de um assunto delicado. A versão, divulgada por Sané, foi negada por FHC.
Após pressões de órgãos de direitos humanos, o governo acenou com a possibilidade de atender aos pedidos. Encarregou José Gregori, ouvidor da República, de elaborar projeto com esse objetivo.
A Folha apurou que o relatório de Gregori está praticamente concluído. Mas as concessões ficam bem aquém das reivindicações. O relatório servirá de base para projeto que irá ao Congresso.
O governo concorda com a concessão de uma espécie de documento de ``morte presumida", com o qual os familiares obteriam os atestados de óbitos.
A falta desse tipo de documentação tem sido o maior problema dos familiares. Isso impede que eles façam a partilha de bens e solicitem pagamento de seguros.
Além desse atestado, o governo quer dar uma pensão para cada família. O valor deverá ficar em torno de cinco salários mínimos mensais -R$ 500,00. ``Isso é ridículo", diz Suzana Lisboa, da Comissão de Familiares de Desaparecidos, referindo-se ao atestado. ``O governo militar de Figueiredo (1979-1985) quis dar esse atestado, e não aceitamos".
No próximo fim-de-semana, os familiares vão se reunir em Belo Horizonte (MG). Pretendem convocar órgãos de defesa de direitos humanos, como a Anistia Internacional, para pressionar FHC.
Mas o governo diz que a crise do Chile recomenda prudência. Reivindicações como o reconhecimento oficial das mortes, pedido formal de desculpas e criação de comissão para apurar responsabilidades dificilmente serão atendidos.

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