São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995
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A FUP em transe

UEZE ZAHRAN

Esta Folha publicou, nos últimos dias, dois artigos assinados pelo coordenador da FUP, Antônio Carlos Spis. Neles, as distribuidoras de gás liquefeito de petróleo (GLP) são acusadas de haver escondido o produto durante a greve dos petroleiros. O objetivo seria duplo: lançar os petroleiros contra a opinião pública, em conluio com o governo federal, e aguardar o aumento no preço do botijão de GLP.
As distribuidoras jamais esconderam gás. Nem poderiam. Sequer dispomos de tanques armazenadores suficientes para isso. Nossa capacidade de estocagem é de apenas dois dias (contra, por exemplo, cem dias do Japão). O fato -é bom que o coordenador Spis esteja atento- é reconhecido pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo do Estado de São Paulo, Odair Camillo Leopoldo Marques, em depoimento a esta mesma Folha (23/06).
Os números atestam inequivocamente que não houve retenção de gás. Muito ao contrário, as empresas tiveram de recorrer a seus estoques de segurança para atender à demanda. Senão, vejamos: em maio, mês da greve, as distribuidoras venderam 460 mil toneladas de GLP. Isso quando o pedido à Petrobrás foi de 507 mil toneladas e a entrega, de 422 mil toneladas. Com uma defasagem, portanto, de 85 mil toneladas, as distribuidoras entregaram 38 mil toneladas a mais do que receberam. Onde está a retenção? Abro também os números de minha empresa, a Copagaz. Pedimos, em maio, 33.537 toneladas à Petrobrás, tendo recebido 24.833 toneladas e vendido 26.947 toneladas. Vendemos, portanto, 2.144 toneladas a mais do que recebemos.
Está demonstrado que jamais se escondeu gás. É necessário, ainda, considerar o que o coordenador define como ``a natureza promíscua das relações entre o governo de Fernando Henrique Cardoso e as empresas privadas do setor de distribuição de derivados de petróleo". Tenho a esclarecer que há mais de um ano as distribuidoras reivindicam ao governo federal reajuste no preço do botijão de 13 kg de GLP. Durante a vigência do Real, o preço do GLP foi reduzido duas vezes (extinção do IPMF e redução do preço do petróleo). Nesse mesmo período, as distribuidoras deram três aumentos de salários a seus funcionários, sem nenhum repasse, naturalmente.
O aumento pretendido no preço de GLP nunca foi choro ou reivindicação descabida. Foi, sempre, condição de sobrevivência. Poucos sabem que a Serasa (Centralização de Serviços de Bancos S/A) analisou os balanços anuais de todas as maiores empresas distribuidoras do país entre 1991 e 1993. E que, no ano de 1993, nenhuma delas mereceu cotação melhor do que ruim. Todas se situaram num patamar considerado ruim ou péssimo.
A explicação estava, efetivamente, no baixíssimo preço cobrado pelo GLP. E a responsabilidade pela situação pré-falimentar de nossas empresas era -não nos cansamos de repetir- do governo. Como seria possível, tendo em vista a situação exposta, o estabelecimento de um conluio entre circunstanciais ``opositores"?
Há alguns outros pontos a esclarecer. Primeiro, é importante saber que o problema de abastecimento foi localizado e se deveu, única e exclusivamente, à greve dos petroleiros. Foram atingidos Estados como São Paulo, Brasília, Mato Grosso e Goiás, todos atendidos pelas principais refinarias de São Paulo, bloqueadas pelos grevistas.
Em segundo lugar, a opinião pública precisa compreender que não houve aumento efetivo e sim reajuste no preço do gás de cozinha. Nos últimos dez anos, um botijão de 13 kg de GLP teve o preço reduzido no país de US$ 12 para US$ 4, contra US$ 20, em média, cobrados na Europa e US$ 12 na América Latina (além das reduções de preço, já mencionadas, ao longo da vigência do Real).
Toda categoria tem o direito de lutar pelo que considera mais justo. Não entro no mérito da paralisação dos petroleiros. É preciso, no entanto, que, ao pregar a defesa do patrimônio nacional, o coordenador da FUP não esqueça o prejuízo de US$ 1 bilhão infligido aos cofres públicos. É preciso não esquecer também que, por ocasião da greve, atravessadores passaram a revender GLP para a população a preços exorbitantes. Esse tipo de prática foi gerado exatamente pela escassez do produto, resultado da paralisação. Para combatê-la, é preciso fiscalização ampla, o que não é atribuição das distribuidoras. Por lei, sua responsabilidade termina no portão da empresa, não nos cabendo função policial.
As empresas distribuidoras são portadoras de extraordinária responsabilidade social. Por isso, é preciso vir a público combater acusações falsas. Estas acusações têm o único objetivo de eximir os petroleiros dos danos que causaram à economia popular e de transferir a antipatia que angariaram às distribuidoras.
A realidade é que o coordenador da FUP, em seu ataque às distribuidoras, se parece cada vez mais com o protagonista de ``Terra em Transe", de Glauber Rocha. Desesperado, ele lança mão, em dado momento, de uma metralhadora e sai disparando contra tudo e contra todos. Não é este o melhor caminho para a autocrítica de um movimento que fracassou, fundamentalmente, por falta de apoio da população.

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