São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995 |
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Juros de 12% podem ser nova revolução
ARNALDO JABOR
- Qual será seu voto, deputado? - Eu sou contra os juros tabelados. Constituição não é para fixar juros, é uma loucura, em nenhum lugar do mundo existe uma bobagem dessas... Mas vou votar a favor. - Como, excelência? - Não dá para explicar a meus eleitores ignorantes muita complexidade financeira. Tenho de ser popular, feito filme digestivo. Nada de intelectualismos. Tenho compromissos com eleitores burros. (Repórter fica pálido.) - Já o senhor vota contra, sendo do PSDB... - Não. Voto a favor... - Por quê? (mais pálido) - Porque entrei no cheque especial e não consigo sair... Devo R$ 2.000 ao banco, não é um absurdo? - Mas e a economia nacional? - E a minha economia, gente boa? Hein? Meu pirão primeiro... (Repórter insiste, esperançoso.) - E o senhor, que é do PFL? - Racionalmente, sou contra... Mas também voto a favor. Sou lá besta de me responsabilizar por juros altos? Eleitores olhando... Voto a favor... sei que o FHC vai vetar, passo a responsabilidade a ele... Assim tenho tudo: sou contra e a favor... (Jovem repórter amadurece um pouco.) - E vossa senhoria? - Sou da Fiesp, mas torço para o PC do B ganhar. Hoje em dia, comunista só serve para ajudar empresário e ruralista. Nós empresários temos sofrido muito... (furtiva lágrima). - Mas as vendas não estão aquecidas em 5% a mais que no ano passado? - Fala baixo... quero mais... - Mas doutor... e o interesse nacional? - O senhor é gay? - Não. - Então que viadagem é essa de "interesse nacional? (Repórter tem leve vertigem.) - Deputado Fernando Diniz, o sr. vai votar como? - Pelos 12%, claro... - E se quebrar a economia? - Dane-se... problema do governo. - Mas "deputado não é governo? - Ora, meu caro... não seja linear... quem somos nós? Para onde vamos? O que é o Ser? (Repórter com crescente ceticismo.) - E o senhor, gente fina? - Acho os 12% péssimos. Mas vou votar a favor, para mostrar a esses economistas que a gente não é massa de manobra. Quem eles pensam que são? Só porque são PhD em economia em Harvard pensam que sabem alguma coisa? Quem sabe das coisas é meu pai velho, que tem uma quitanda em Aracaju... - (repórter tentando cinismo) E o bacana aí? - Psiu! Sou deputado, mas nas horas vagas sou agiota. Se passar a lei, vou emprestar grana a 80% ao mês... para os próprios colegas... Não espalha... sou do PFL, mas voto com o PC do B, como os ruralistas... Sou da frente unida "UDR-Stalin... ah... ah... ah... - E o nobre deputado aí? - Bem... voto pelos 12%. Os juros têm de baixar. O senhor veja... Tenho uma terrinha... Aí comprei uma vaca para minha mulher a crédito, e agora o juro aumentou. Como fica a vaca da minha mulher? (Repórter reprime ironia.) - E vossa excelência? - Bem, eu voto a favor dos 12%. - Mas o senhor não é banqueiro? Os bancos não lucram com juros altos? - Bobinho... banco lucra é com inflação... Juro alto não dá lucro. Se você soubesse quanto eu ganhava só com cinco dias de correção monetária nas contas de telefone entre receber e pagar... Com 12% volta a inflação e meu ganho residual... Como era doce meu "over, meu "float... - E vós, caro produtor? - Que produtor... sou pragmático... Dane-se este papo de progresso. Não quero produzir nada... tenho um mercadinho... compra a crédito e vender à vista... Existe coisa melhor com 50% de "infla? Com "infla quem perde são só os pobres. Para isso existem pobres; senão, eles não seriam pobres... não é? Ah... ah... - (com riso dolorido) E o amigo aí? - Voto pelos 12%... a menos que... façam minhas nomeações: meu irmão Araken no Departamento de Esgotos de Brasília... mamãe em Itaipu... e Suely no Ministério da Cultura. - Quem é Suely? - (baixando a voz) Uma moça que eu ajudo... ela entende muito de cinema. Foi atriz naquele filme "A Galinha do Rabo de Ouro... - Isso é chantagem... - Chame como quiser... Suely Helena na Cultura! (Repórter vendo uma sombra luminosa no céu do Congresso.) - E o senhor? - Eu sou o espírito de Sergio Buarque de Holanda... Flutuo aqui no espaço brasileiro... Observo... E vos digo: "Como é possível fazer uma economia avançada num país personalista e patriarcal? (A luz se esvai no ar. Repórter reza.) - E vossa senhoria? - Eu sou o homem "cordial... quero juros cordiais... de 12%... como nos velhos tempos, cafezinho com o gerente... Empréstimos só para os amigos... bons tempos... Voto nos 12% por saudades do matão... eta Getúlio bom... - E o senhor vai votar? - (um homem de negro, com grandes olheiras) Estou aqui esperando a Hiperinflação. Quero ver o apocalipse brasileiro... Essa é minha tese. Precisamos da punição da Hiper! Tenho volúpia sexual pela Hiper... É a nossa verdade. Eu tenho um encontro de amor marcado com a Hiper! Pelos 12%... abaixo a inteligência; viva a morte! - (repórter trêmulo de emoção) E agora, senhores, a primeira-dama dos 12%! A grande Jandira Feghalli! - Puxa, gente, eu estou vivendo os melhores dias de minha vida! Nunca ninguém ligou para o PC do B... Agora eu sou miss! (gritando eufórica) Vamos quebrar este país de direita, burguês, comprometido com o imperialismo internacional! Virá uma grande onda revolucionária! (primeiros acordes da "Eroica) E as massas se erguerão e da catástrofe nascerá a luz! No meio da inflação de 200% ao mês, a revolta se alastrará! Tomaremos o poder e exportaremos nossa revolução! Libertaremos a Hungria, a Polônia, o Vietnã do Norte dos carrascos neoliberais! (Começa a cantar "O oriente é vermelho em chinês) E do Brasil renascerá o movimento comunista internacional, e o mundo será regido por seu grande líder natural! - Quem é o líder, minha senhora, ou... camarada? - O mundo será regido pelo grande comandante e pai dos pobres: João Amazonas! - (repórter envelhecido) Obrigado, deputada... Encerro aqui... Lilian! 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