São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Sandra Kogut vai ao cinema com 'Lá e Cá'
JOSÉ GERALDO COUTO
Produção: Brasil, 1995, 25 min. Direção: Sandra Kogut Elenco: Regina Casé, Eliane Maria Onde: estréia amanhã, às 19h, no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio), e em 17 de julho no Espaço Banco Nacional de Cinema (São Paulo) A chegada ao cinema da videomaker carioca Sandra Kogut, 30, não poderia ser mais animadora: seu curta-metragem ``Lá e Cá", que estréia amanhã no Rio, é uma pequena obra-prima. O filme virá depois a São Paulo e concorrerá no próximo Festival de Gramado, em agosto. Premiada nos maiores festivais de vídeo do mundo (Oberhausen, Berlim, Nova York), Sandra usou em ``Lá e Cá" os recursos expressivos que adquiriu no formato para transformar o conto ``Monólogo de Tuquinha Batista", de Aníbal Machado, em puro cinema. No conto, a suburbana Tuquinha Batista (TB) fala ao telefone com a irmã Raimunda, que mudou para Copacabana e passou a se chamar Betsy. Com base em argumentos moralistas (a zona Sul seria um local de perdição), TB resiste à idéia de morar com a irmã. No filme, a polarização moral cede terreno ao tema da inclusão ou exclusão cultural. TB (Regina Casé) oscila entre o sentimento de pertencer a sua comunidade e o de ser estrangeira a ela. Poesia audiovisual Sandra Kogut converte esse argumento em poesia audiovisual, entretecendo imagens e sons de modo preciso e criativo. Consegue um casamento perfeito entre a agilidade do vídeo (sobretudo da edição eletrônica) e a maior qualidade da imagem cinematográfica (filmou em 35 milímetros, com bela fotografia de José Tadeu Ribeiro). Há algumas situações básicas que se repetem: TB ao telefone público, falando com a irmã; TB em casa, ouvindo rádio, entediada; TB na estação de trem de subúrbio, com uma amiga, analisando as pessoas na plataforma. Aos poucos, os diálogos de cada uma dessas situações se sobrepõem a imagens de outra cenas, criando uma teia viva de referências e significados. Cada enquadramento, por outro lado, tem uma razão de ser autônoma -como um verso num poema- e é trabalhado como tal. Sandra Kogut usa às vezes um recurso de vídeo ao mesmo tempo simples e de grande efeito: surge primeiro metade da imagem (a outra metade ficando escura), depois a imagem inteira, que passa a ganhar outro sentido. A influência do cinema descontínuo de Jean-Luc Godard é perceptível (até pelos letreiros que surgem aqui e ali), mas trabalhada de modo original: poucos filmes recentes são tão brasileiros. Ficção e documentário se equilibram de modo sutil. O universo suburbano -o trem, o funk, o futebol, o botequim- está todo ali, sem folclore e sem ``denúncia". O filme deve muito à música inventiva e discreta de Herbert Vianna, mas deve sobretudo a Regina Casé (que também colaborou no roteiro). Sem os excessos estridentes da TV, ela mostra que é uma atriz iluminada, que resume em si o tema do filme: é ao mesmo tempo natural e estrangeira ao meio em que se move. Texto Anterior: Coluna Joyce Pascowitch Próximo Texto: Comédia de Ozu abre miniciclo de filmes japoneses no Centro Cultural Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |