São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995
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Sem dogmatismo

ANDRÉ LARA RESENDE

Desta vez a operação foi conduzida de forma clara e competente. O Banco Central mudou os limites inferior e superior para flutuação do real em relação ao dólar. O comunicado, as entrevistas aos jornais e a atuação do Banco Central na manhã seguinte ao anúncio foram coerentes e não deixaram dúvida.
Apesar da mudança no intervalo da chamada banda de flutuação, a cotação do real não se modificou: continuou ligeiramente acima de R$ 0,92, próxima do antigo teto e do novo piso. Não houve, portanto, desvalorização. O nervosismo dos últimos dias, entretanto, desapareceu, e as cotações futuras do dólar cederam.
Esse resultado pode parecer surpreendente, mas é compreensível. A sinalização foi coerente com a política cambial anunciada desde a introdução do real: nem a rigidez institucional dogmática pela qual optou a Argentina, nem a indexação diária que caracterizou a política nos últimos anos.
A solução argentina tem vantagens a curto prazo e grandes desvantagens a longo prazo. Não poder desvalorizar sua moeda em nenhuma circunstância é uma camisa-de-força. Ajuda a credibilidade da moeda num primeiro momento, mas pode vir a impor duros sacrifícios. A experiência argentina caminha para confirmar essa tese. O sucesso obtido na estabilização de uma inflação, ainda mais violenta e devastadora do que a brasileira, foi extraordinário.
A Argentina passa agora por sérias dificuldades. Depois de três anos de forte recuperação da atividade econômica, não parece haver forma simples de evitar uma verdadeira recessão. A iliquidez doméstica pôs o sistema financeiro sob grande pressão. Sem desvalorizar, a saída é reduzir salários e preços. Dada a clássica rigidez para baixo dos preços, essa é uma opção penosa que não é passível de ser implementada sem uma longa recessão.
Desvalorizar agora também não é fácil. Corre-se o risco de provocar uma brusca descontinuidade e quebrar a credibilidade do programa. Ao permitir a circulação oficial do dólar lado a lado com o peso, o programa reforçou a referência ao dólar que já era generalizada na Argentina. O risco de reacender a fogueira da inflação com toda sua virulência e desorganizar a economia seria grande. A julgar pela experiência da recente desvalorização do peso mexicano -um país com muito menor memória inflacionária e onde a dolarização é mínima-, a desvalorização na Argentina é uma opção a ser evitada até o limite.
É para evitar esse terrível dilema que aqui se optou pela política de bandas periodicamente revistas. Não tratar o câmbio com inflexibilidade dogmática e não se agarrar a uma taxa nominal a qualquer custo é uma política sensata. Daí a ceder a pressões para voltar a uma política de indexação automática e diária da taxa nominal de câmbio, vai uma enorme diferença. Fazer o câmbio responder de forma automática a toda e qualquer pressão inflacionária doméstica é a porta de volta para a inflação crônica.
O desafio agora é implementar as reformas de fundo, aumentar a taxa de poupança interna e estimular o investimento, para que se possa ter uma moeda estável sem recorrer a barreiras comerciais e a juros estratosféricos.

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