São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 1995
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Autonomia não é privilégio

ARTHUR ROQUETE DE MACEDO

A autonomia de gestão financeira exercitada pelas universidades estaduais paulistas, longe de ser um privilégio, se constituiu na responsabilidade de gerir a universidade pública de uma forma não atrelada a ideologias ou ao sistema de governo dominante. A autonomia ocorre dentro de um planejamento que promove o aprimoramento do ensino, da ciência e da cultura, associado a um projeto de desenvolvimento nacional que permite, além do crescimento econômico, o avanço tecnológico e o resgate da nossa dívida social.
A análise dos seis anos de exercício da autonomia de gestão financeira praticada pela Unesp, Unicamp e USP, apresenta saldo positivo baseado nos seguintes pontos: aprimoramento da gestão acadêmica e administrativa, maior responsabilidade, melhor planejamento na utilização de recursos públicos e maior controle da execução orçamentária por parte da comunidade; possibilidade de programação das atividades acadêmicas e administrativas a longo prazo, alicerçadas em verbas gerenciadas pela universidade e segundo as prioridades por ela estabelecidas; aperfeiçoamento da interface com o setor produtivo e aprofundamento do processo de avaliação.
E autonomia não é sinônimo de soberania, ou seja, todos os gastos das universidades são fiscalizados pelo Tribunal de Contas do Estado.
Situação exemplar de como a autonomia se refletiu de maneira positiva para a Unesp foi a extraordinária expansão no número de vagas no sistema universitário público paulista, que promoveu sem que o Tesouro do Estado destinasse recursos para atender ao esforço empreendido. Nesse esforço, a Unesp, ao criar, a partir de 1987, dez novos cursos de graduação e encampar a Universidade de Bauru e o Instituto Municipal de Ensino Superior de Presidente Prudente, incorporou ao ensino gratuito e de qualidade 5.595 alunos de uma só vez.
Outro exemplo de como a autonomia permitiu a opção pelo investimento na qualidade é a melhoria ocorrida na titulação dos professores. Em 1988, num quadro de 3.050 docentes, a Unesp contava com 37% de doutores; agora, entre 3.510 professores, 54% possuem esse título.
Essa melhor qualificação acabou por se refletir em outro aspecto relevante: a criação de cursos de pós-graduação. Em 1988 oferecíamos 49 cursos de mestrado e 35 de doutorado; hoje são 97 e 73, respectivamente.
Em resumo, no ano de 1988 a Unesp tinha 10.348 alunos na graduação e hoje são 19.618. Na pós-graduação eram 1.610, agora somam 4.777. Nos colégios técnicos, aumentamos de 615 para 1.226 o número de estudantes. Em termos totais, eram 12.579 alunos e agora são 25.731, um aumento de 104%.
Esse formidável crescimento foi consolidado graças ao binômio liberdade/responsabilidade que acompanha e caracteriza a autonomia de gestão financeira. Sem que houvesse a correspondente contrapartida, enfrentando um período de queda acentuada na arrecadação do ICMS e sem precisar da tutela administrativa do governo, a universidade soube gerenciar seus recursos e prover da qualidade necessária os cursos que criou e os que encampou.
Em 1988, último ano em que esteve atrelada à administração do Estado, a Unesp recebeu do Tesouro paulista R$ 162 milhões (valores a preços de agosto de 1994, deflacionados pelo IGP da Fundação Getúlio Vargas); nos seis anos seguintes, a média foi de R$ 203 milhões. Para um aumento de recursos da ordem de 25%, crescemos 104% em termos da principal demanda da sociedade -o ensino de graduação e o de pós-graduação.
E vale lembrar que esse aporte de recursos não foi consumido apenas pelo ensino; teve de ser destinado também a atividades de pesquisa científica e de extensão de serviços à comunidade, que também cresceram com a autonomia, como, por exemplo, a implantação de dois campi avançados no Vale do Ribeira e do Centro de Ensino e Pesquisa do Litoral Paulista.
No campo da produção científica, a Unesp ampliou seus horizontes de maneira muito significativa. No que se refere a trabalhos publicados, os números saltaram de 1.944 no ano de 1988, para 3.321 no ano de 1993 -um crescimento de 143% em cinco anos.
Dentre as centenas de atividades de extensão, o atendimento realizado no Hospital das Clínicas, no campus de Botucatu, é também expressivo. Com uma receita média de R$ 22,5 milhões nos últimos sete anos, período em que houve alterações bruscas em seu orçamento (reflexo do ocorrido com o orçamento da universidade), o HC da Unesp conseguiu aumentar progressivamente o seu ritmo de atendimentos.
Por exemplo, foram feitas 3.404 cirurgias em 1988 e 5.981 em 1994 (76%); o número de consultas subiu de 97.879 para 233.679 (138%), e o de exames laboratoriais saltou de 530.965 para 1.140.666 (115%).
Os dados apresentados dizem respeito especificamente à Unesp, mas desempenho semelhante foi exibido pela USP e Unicamp. O sistema universitário paulista de ensino superior é o melhor da América Latina, patamar que foi atingido não obstante o fato de os recursos investidos no Brasil em ensino, ciência e tecnologia, serem bem inferiores que os destinados ao setor nos Estados Unidos, Japão e Europa ocidental.
Nos últimos seis anos o processo de autonomia de gestão financeira vinculada à arrecadação do ICMS foi em parte responsável pelo fato de as universidades estaduais paulistas terem conseguido sobreviver às sucessivas crises enfrentadas pela sociedade brasileira e assumirem a posição de vanguarda no cenário científico latino-americano. Por essa razão são tomadas hoje como exemplo pelo sistema federal de educação e por outros países.

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