São Paulo, quinta-feira, 29 de junho de 1995
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Em obras

OTAVIO FRIAS FILHO

Dos últimos presidentes, nenhum chegou ao cargo por ter realizado obras. A obra de FHC é intelectual, a de Sarney é literária. Tancredo nunca construiu um chafariz e a ``obra" de Collor foi a pirotecnia contra os marajás. Nem falemos de Figueiredo.
Mesmo assim, Maluf continua levantando obras em São Paulo. É como se algum assessor aloprado houvesse convencido o prefeito de que as chances de se eleger presidente são proporcionais à quantidade de cimento que ele aplicar sobre São Paulo.
Uma cidade como esta é evidentemente ingovernável, de modo que, exceto pelos problemas no trânsito, não importa tanto o que o prefeito faz ou deixa de fazer. Maluf parece estar tão-somente repetindo (e apressando, dada a sua ansiedade presidencial) um ciclo costumeiro.
A cidade cresce mais do que poderia; esse crescimento gera distorções que se acumulam até produzir pontos de estrangulamento; chega um prefeito que decide removê-los fisicamente, permitindo que o crescimento prossiga de forma ainda mais caótica até nova paralisia e nova remoção.
Ressalvadas as exceções de praxe, São Paulo vem sendo administrada por engenheiros e Curitiba por arquitetos, com resultados que falam tanto sobre a diferença entre as duas cidades como entre as duas profissões.
O método da engenharia prescreve uma atuação, por assim dizer, de dentro para fora, enquanto na arquitetura, ao contrário, a ação se dá de fora para dentro. Uma cidade sem problemas sociais ou demográficos mais graves, como Curitiba, naturalmente se torna o paraíso dos arquitetos.
Em Curitiba, a natureza e a história passaram a ter uma atuação estética e existe, com efeito, um cuidado comunitário em agredir o menos possível uma e outra. Obras como o Jardim Botânico e a Ópera de Arame, por exemplo, foram concebidas num estilo neo-art-nouveau, que reverbera a Curitiba do começo do século.
Se a imagem que ocorre sobre a relação entre Maluf e sua cidade é a que havia entre Nero e Roma, o prefeito Rafael Greca parece um Péricles sobre sua Atenas. Há detalhes humorísticos; basta mencionar que a faixa de pedestres em frente ao Conservatório Musical imita as teclas de um piano.
A crítica que se faz é exatamente essa, a de que a administração de Curitiba é frívola, cosmética e voltada para uma espécie de turismo urbanístico. E de que é fácil fazer bonito numa cidade comensurável, proporcional a seus habitantes e portanto plenamente utilizável por eles.
Tudo isso deve ter boa dose de verdade. Mas quando vemos São Paulo ser submetida a nova cirurgia devastadora, repetindo todos os procedimentos que a fizeram uma das cidades mais monstruosas do mundo, perguntamos o quanto falta de arquitetura a tanta engenharia, e de humanidade a tanta ambição.

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