São Paulo, sexta-feira, 30 de junho de 1995
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Escritor surge como historiador inverossímil

DA REPORTAGEM LOCAL

A partir da reconstituição do manuscrito, Bernucci afirma que Euclides alterou datas e figuras reais para lhes dar um tom épico.
O jagunço Sariema protagoniza no manuscrito o mesmo episódio de bravura atribuído em ``Os Sertões" a João Grande. ``Ao vivo, teve uma relação imaginária com Canudos. Seu saber permaneceu livresco. Mentiu com conhecimento de causa", diz o estudioso.
Bernucci acredita que esse tipo de observação contida em seu ensaio irá assombrar negativamente os euclidianos. Surge o retrato de Euclides como ficcionista estereotipado, falso repórter e historiador ainda mais inverossímil.
Mas não faz a denúncia em tom acusatório. Antes manifesta simpatia pela imaginação do artista, que explica sua intenção de transfigurar a história em narrativa heróica já no prefácio do livro.
Professor de literatura comparada na Universidade do Colorado (EUA) há cinco anos e ex-colega do ensaísta Harold Bloom em Yale, onde lecionou por seis anos, ele considera a ``imitatio" um processo rotineiro em literatura.
Fixa Euclides no centro de um ciclone de proliferação de textos sobre Canudos na passagem do século 19 para o 20. Tanto plagiou textos quanto foi plagiado por contemporâneos.
Se adaptou para o português matrizes narrativas do romance ``Notre Dame de Paris" do escritor francês Victor Hugo, sofreu a mesma rapina de Monteiro Lobato e Graciliano Ramos em ``Cidades Mortas" e ``Vidas Secas".
``Os Sertões", pelo raciocínio, representa o ápice de um conjunto de reportagens e livros que se publicaram sobre o assunto no momento do conflito.
Entre os textos escritos no rastro da hora, estão a narrativa ``O Rei dos Jagunços", do repórter Manoel Benício de ``O País", que acompanhou a guerra de perto, e o romance ``Os Jagunços", do escritor mineiro Afonso Arinos (1868-1916), que nunca esteve lá. As obras foram editadas respectivamente em 1897 e 1898. Bem anteriores, portanto, a ``Os Sertões", que virou paradigma para os escritores futuros.
Bernucci se inspira no método de Harold Bloom. Este criou a teoria da ``ansiedade da influência" (ou ``angústia", como foi traduzida para o português). Segundo Bloom, o resultado de um texto literário pode ser entendido como a leitura que o escritor faz da obra de seus precursores, os quais ele parodia, assimila ou renega.
O abuso de Euclides, reafirma Bernucci, está em como vampirizou os jornais: ``Ele tem uma dívida impagável com os repórteres da época, dos quais retira não apenas informações, mas passagens inteiras e até traços de estilo. Tudo sem citar a fonte."
O estudioso prova que a arte de ``Os Sertões" se fundamenta numa grande fraude.

Livro: A Imitação dos Sentidos
Autgor: Leopoldo Bernucci
Quanto: R$ 45

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