São Paulo, sexta-feira, 30 de junho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Os juros e os cavalos selvagens

JOSÉ SARNEY

A velha cultura chinesa nos ensina e enriquece com a visão de que todas as coisas do mundo têm duas faces: a do bem e a do mal.
A contradição está em todas as coisas. O Sol, a Lua; o dia, a noite; o homem, a mulher; o açúcar, o sal... E por aí vai.
Bem característica dessas faces é o velho conto do mandarim que um dia, ao amanhecer, viu, na porta de sua fazenda, um bando de cavalos selvagens. Ficou feliz. Eles se incorporavam ao seu patrimônio. Era um bem ou era um mal?
No dia seguinte, seu filho primogênito montou um desses animais, caiu e quebrou as duas pernas. Era um mal e foi um bem. No outro dia, os exércitos que iam guerrear outros povos recrutavam todos os jovens. O rapaz escapou, porque tinha as pernas quebradas. E, assim, as coisas do mundo se processam.
Os juros, julga o Banco Central que são um bem. São um instrumento de conter a demanda, de buscar o equilíbrio fiscal, de financiar a dívida interna, graças ao compulsório que é retido como dinheiro a custo zero.
Só que quebram as pernas da economia, porque paga o setor privado a média dos juros baratos do governo. Transfere-se o ``déficit" público para o ``déficit da quebradeira", e aí vai o paradoxo de que as boas intenções não levam sempre ao céu, e o governo, que deve existir para o povo, não acontece, e o povo é que passa a existir para o governo.
Sou daqueles, e denunciei em 88, que acham que juros não são matéria constitucional. Seria ridículo achar o contrário. Fixá-los é violar as leis de mercado, e o objetivo de toda Constituição é ser tão sábia que sobreviva àqueles que a fizeram. Quem pode afirmar que os juros serão sempre de 12%? Hoje são estratosféricos, amanhã poderão ser inferiores aos previstos na própria ``Carta cidadã".
Da mesma maneira, é impossível, arbitrário e uma violência utilizar a política de juros altos, penalizando toda a economia, para provocar a recessão e baratear os custos da dívida pública, retendo compulsórios, para diminuir a oferta de dinheiro. Isso é também burlar o mercado, porque é uma manobra.
O Banco Central tem que dosar a mão. Há sintomas de que chegamos a um ponto intolerável. O custo de vida começa a chegar a níveis que o povo não tem condições de suportar.
O Plano Real tem todo o meu apoio e tem prestado um grande serviço ao Brasil. Tenho deveres para com a nação de apoiá-lo e ajudar o país a não viver outra frustração.
Mas, para melhor ajudar, não posso deixar de manifestar meus receios quanto aos juros e ao câmbio. Afinal, tenho experiência e sofrimento que me autorizam a opinar.
Não devemos quebrar as pernas montando cavalos selvagens.

Texto Anterior: O barco branco
Próximo Texto: UNS MAIS IGUAIS; CLAVE DE SOL; QUEIXA; CLOACA NÃO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.