São Paulo, sábado, 1 de julho de 1995
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Erro sobre o Plano Real reavalia a medida provisória

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Cometi um erro em junho do ano passado. Preciso alertar o leitor para meu engano. Acentuando o inconveniente da reiteração de medidas provisórias sobre o plano Real, afirmei que não seria possível manter projeto econômico daquele relevo para a história do país sem que o Congresso o apreciasse em profundidade, dando-lhe forma definitiva de lei.
Errei na previsão imprudente: deputados e senadores mostraram-se menos atentos ao cumprimento de seus deveres do que supunha o comentador confiante, pois tomaram doze meses para aprovar o plano, a título definitivo, exigindo, até então, a repetição mensal.
Confessado o engano, tenho de não insistir nele. Mas, posso aproveitá-lo para voltar ao tema da medida provisória. No ano que passou, o Congresso continuou a descumprir, conforme vem sendo regra desde o fim de 1988, o dever previsto no parágrafo único do art. 62 da Constituição.
A medida provisória não transformada em lei, nos 30 dias seguintes ao de sua publicação, perde eficácia. Todavia, enquanto vigente, ela gera importantes efeitos de direito que o Parlamento deve regulamentar, assim que termine seu prazo de vida. Deve, mas não faz.
Cria-se, portanto, um paradoxo que é, ao mesmo tempo, semântico e jurídico. Semântico porque a medida dita provisória torna-se definitiva pela reiteração, o que é contrário à sua finalidade.
O paradoxo jurídico está em que a medida provisória se destina a resolver as questões de relevância e urgência. Trata-se de solução legislativa excepcional, posto pela Carta Magna à disposição do Executivo, para resolver matérias cuja importância e cuja premência justificam a substituição do processo legislativo usual, a cargo do Congresso.
O leitor pode perguntar-me, nesta altura, se a medida provisória é um mal? Não, não é. O mal resulta de seu mau uso, tanto pelo excesso de seu número, quanto pela atitude do Congresso não exercendo juízo crítico sobre a relevância e, sobretudo, a urgência de cada medida enviada pelo Executivo.
O processo legislativo deve ficar predominantemente a cargo do Legislativo, que, embora ineficiente e demorado, é o foro do debate do qual toda a cidadania pode livremente participar, onde as pressões dos interesses conflitantes estão em luta permanente.
Os estudiosos de direito constitucional reconhecem que as ações de governo precisam, nos tempos de hoje, de mecanismos mais rápidos na criação legislativa, mais eficientes do que os caminhos comuns através das duas casas do Congresso.
O Congresso não tem limite constitucional para restringir o número de medidas provisórias. Assim sendo, deveria exercer o controle delas em duas etapas. A primeira seria o juízo de admissibilidade para saber se a matéria tratada é compatível com os limites previstos na Constituição.
A segunda seria a de aprovar o mérito discutido ou, não o aprovando, a de regulamentar os efeitos produzidos durante o período de vigência.
Nem uma, nem outra dessas alternativas vem ocorrendo, com regularidade, sendo usual a reiteração das medidas provisórias.
Para mudar a situação é necessário extinguir a medida provisória, sem o recurso de soluções paliativas. Os erros cometidos sugerem a necessidade de se criar outro sistema, que restaure o equilíbrio nas ações do Congresso e do Executivo, o que compreende mais do que a mudança da lei, uma retomada da consciência, pelos parlamentares, da relevância de sua missão na prática da democracia.

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