São Paulo, sábado, 1 de julho de 1995
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Uso de penas alternativas pode `esvaziar' as prisões

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

A crise da Justiça conjugada à falência do sistema penitenciário torna urgente a reforma da legislação penal. É preciso encontrar formas de desafogar a Justiça Criminal e de resolver o problema da superpopulação carcerária, mas sem deixar de punir os delinquentes.
O tema foi discutido na última segunda-feira durante a reunião do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (subordinado ao Ministério da Justiça).
O criminalista Damásio de Jesus, delegado do Brasil no 9º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente (ocorrido de 28 de abril a 8 de maio no Cairo), apresentou relatório sobre o congresso e sugestões (leia quadro ao lado) de alteração na legislação. O trabalho será enviado ao ministro da Justiça, Nelson Jobim, e poderá virar anteprojeto de lei.
A experiência internacional mostra que o o modelo prisional não funciona. A cadeia não regenera o delinquente. Ao contrário, consegue transformar indivíduos pouco perigosos em criminosos de alta periculosidade.
``A tendência mundial é de aplicar a pena privativa de liberdade só aos crimes de maior gravidade, como estupro, latrocínio, homicídio qualificado ou tráfico de drogas", afirma Damásio de Jesus.
Nos delitos mais leves (por exemplo, emissão de cheque sem fundo ou furto de pequeno valor), devem ser aplicadas penas alternativas à prisão, como multa, prestação de serviços à comunidade ou interdição de direitos.
``Estatísticas mundiais indicam que a reincidência fica em torno de 60% quando o réu já cumpriu pena privativa de liberdade. Quando cumpre pena alternativa a reincidência baixa para cerca de 25%", informa Damásio.
A uso de penas alternativas no Brasil -previstas no artigo 43 do Código Penal- levaria à diminuição da população carcerária. Mas elas simplesmente não são usadas por que não há como fiscalizar a sua execução.
``Faltam meios materiais. Nas atuais circunstâncias, o uso da pena alternativa resultaria em impunidade. É preciso criar condições para que sejam aplicadas", comenta o juiz Luiz Flávio Gomes.
O primeiro passo, segundo Damásio, seria criar escolas de agentes penitenciários. ``Teríamos pessoal treinado, que ficaria à disposição do juiz que aplicou a pena, para fiscalizar a execução da sanção alternativa", explica.
Para deixar a Justiça Criminal mais ágil (só julgaria os casos mais graves, o que reduziria o número de processos e o tempo de tramitação), a proposta é descriminalizar as contravenções penais e instituir os juizados especiais criminais, para julgar as infrações de menor potencial ofensivo.
O ``sursis" (suspensão condicional da execução da pena) passaria a ser usado nas condenações até três anos de prisão (hoje são dois anos).
O relatório sugere ainda a criação da suspensão condicional do processo. Nesse caso, o juiz propõe ao réu o cumprimento de algumas condições por um determinado prazo, sem colher provas nem discutir a culpa. Se ele aceitar, o processo é suspenso. Findo o prazo estabelecido e cumpridas as condições acordadas, o processo é arquivado.
Há ainda a ``plea bargaining" ou transação penal, na qual o réu e o promotor público fazem acordo quanto à sanção a ser aplicada, encerrando o processo.
Todas as medidas dependem de fiscalização para serem eficazes.

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