São Paulo, sábado, 1 de julho de 1995
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Busca de identidade impulsionou o samba

Antropólogo Hermano Vianna lança livro sobre o ritmo

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DA REPORTAGEM LOCAL

Erramos: 01/07/95
Diferentemente do que foi publicado na legenda da foto da capa da Ilustrada de hoje, não é o violonista Donga quem aparece sentado ao lado do compositor Pixinguinha, mas o músico João da Baiana.
Erramos: 02/07/95
A foto publicada na edição de ontem da Ilustrada dos músicos Pixinguinha e João da Baiana é de autoria de David Drew Zingg.
Busca de identidade impulsionou o samba
Para discutir a criação da identidade nacional no início do século, o antropólogo Hermano Vianna, 35, caiu no samba.
Conciliou o doutorado em antropologia com o trabalho de pesquisador em programas como ``Brasil Legal", na Rede Globo, para contar como o samba, em menos de uma década, passou de gênero maldito a símbolo musical brasileiro.
Para essa valorização, foi necessária a junção de diversos fatores. Entre eles, a criação das primeiras rádios e gravadoras no país e o contato de músicos, como Pixinguinha, com jovens intelectuais, como o sociólogo Gilberto Freyre, interessados em criar um projeto de identidade nacional.
O resultado está em ``O Mistério do Samba", que sai este mês. Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Vianna à Folha.

Folha - Por que o samba triunfou como música nacional em vez de outros estilos, como a modinha, por exemplo?
Hermano Vianna - A modinha se transformou em uma música extremamente popular no Brasil. Mas seu momento é o Império. O Brasil não precisava naquela época de uma música brasileira. O samba surge em um momento onde existem um vazio e uma urgência em relação aos símbolos nacionais.
Folha - Quais foram as causas da popularização do samba?
Vianna - Foi um fenômeno complexo que envolveu grupos sociais distintos e fez parte de um processo de criação da identidade nacional no início do século. Na época, existiam uma preocupação dos intelectuais em descobrir o que seria o brasileiro e uma necessidade de encontrar a unidade política e cultural da pátria.
Folha - Existem fatores práticos para essa valorização?
Vianna - O desenvolvimento das rádios e a criação de muitas gravadoras, todas com sede no Rio, nos anos 20, e um acompanhamento maior dos jornais com relação à música popular, por exemplo. O conceito de música e cultura popular era muito recente e, para pessoas que refletiam sobre isso, era algo novo também.
Folha - Qual foi o papel do Estado na transformação do samba em ``música oficial"?
Vianna - O governo Vargas dava importância à música popular. Por exemplo, os ministros iam a shows de música popular e, quando a ``Hora do Brasil" (programa radiofônico estatal) surgiu, no Estado Novo (1937-45), ela divulgava a música popular.
Folha - O samba serviu como símbolo de um projeto nacional. Ele ainda é válido?
Vianna - Em termos de música popular, houve uma fragmentação maior do mercado e uma regionalização da produção. A indústria fonográfica não se tocou para isso como deveria.
Estive na Amazônia agora e tive a mesma sensação de quando fui à Bahia, em 86. Não sabia o que era o Olodum e vi as pessoas cantando aquela música e criando uma identidade diferente. Na região amazônica está ocorrendo a mesma coisa com o boi (música folclórica). Já existe uma música pop em cima das toadas de boi, danças próprias e apropriação de um discurso ecológico a partir da questão indígena.
Mas o desafio do samba ainda é interessante. A questão da mestiçagem e o modo como o Brasil tentou lidar com a questão da diferença são uma grande contribuição que podemos dar para esse debate.
Folha - Como está a busca da identidade nacional hoje?
Vianna - Na música, o mais óbvio, mas que dá resultados interessantes, é pegar ritmos nacionais e misturar com outras coisas. Hoje, contudo, inexiste a preocupação de inventar um país. Esse Brasil já está inventado.
Folha - Em uma época de aldeia global maximizada pela Internet, qual a importância da influência estrangeira na identidade nacional?
Vianna - O problema de identidade nunca está resolvido. Nossa relação com informações que vêm de fora é muito variada, mas já é consenso dizer que não existe cultura pura. Um das frases mais repetidas na Internet é que a informação quer ser livre. A Internet é essa possibilidade da circulação anárquica da informação.
Folha - O sr. tem algum problema em ser um acadêmico que trabalha em um programa pop?
Vianna - Meu problema é conciliar o tempo. Uma coisa contribui para a outra. O material bruto do ``Brasil Legal" é um ótimo acervo do que está acontecendo na cultura popular. Vai da festa de aparelhagem, em Belém, até a de cururu e siriri (danças folclóricas), em Cuiabá. O trabalho na TV tem a ver com um olhar antropológico.

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