São Paulo, sábado, 1 de julho de 1995
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Questão de ética

LUIZ EDUARDO BORGERTH

A Constituição, expressamente em dois artigos, o 5º e 220, garante a plena liberdade de criação e veda ``toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". Estabelece, por outro lado, que compete à lei federal ``regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada".
No artigo 221, determina que a programação das rádios e televisões respeitarão os ``valores éticos e sociais da pessoa e da família", em ponto algum conferindo ao Estado o poder e a habilidade de defini-los.
As normas constitucionais subentendem hierarquias, e é óbvio que a repetida garantia de plena liberdade e proibição expressa de censura não podem dar passo a qualquer medida que comporte restrição ou embaraço à liberdade artística. Como estabelecer a lei, e que eficácia ela teria, sem que se constituísse em censura, a grande questão.
Tanto aqui quanto alhures, a questão do sexo e violência na televisão é levantada em intervalos regulares. As emissoras e a Abert nunca se negaram a debater a questão. Depois de examinar todos os ângulos, optamos pelo único caminho que entendemos correto e democrático, o da auto-regulamentação.
Foi aprovado um Código de Ética bastante razoável. Com ele, traçamos recomendações para cenas de amor em função do horário dos programas, estabelecendo, com os maiores detalhes possíveis, o razoável de cada horário. Foram também estabelecidos critérios para a apresentação de material com cenas de violência. É claro que a aplicação do Código enfrenta dificuldades.
Ficando por agora na questão do ``sexo", não podemos ignorar que, se há um terreno em que o povo brasileiro é absolutamente original pioneiramente, é no tratamento e aceitação dos temas derivados das relações entre os sexos e na valorização e exposição do corpo, mormente o feminino. Ou não foi no Brasil (dos conservadores Médici e Geisel) que se lançou a tanga e o ``fio-dental"?
Não sei da Polinésia nem da Micronésia, mas em nenhum dos países e culturas que conheço lida-se, aceita-se e celebra-se, ou seja, encara-se o sexo, seus rituais, sua fisiologia e consequências com a naturalidade e, consequentemente, a liberdade com que o encaramos no Brasil. Não me refiro ao cinema ou à TV. Refiro-me à esmagadora maioria de cada um de nós, de nossos grupos e famílias, de nossos filhos e educadores, nossos líderes e eleitores e, já agora, não sei se ``nossos", mas sem dúvida inúmeros, padres e freiras.
Nesta semana um ator inglês envolveu-se em escândalo sexual. Estava na rua, em seu carro, na companhia de uma prostituta. Deu polícia, retrato de frente e de perfil, com data e número. No Brasil dos escândalos, o sexual é café pequeno. A sociedade diverte-se mais do que se indigna, absorve os fatos com humor e sem prejuízos para as partes (no bom sentido, é claro). Lilian Ramos não nos deixa mentir, pela simples razão de que muito mais sexo e nudez desfilava sob os olhares complacentes do camarote presidencial.
Por tudo isso nos perguntamos: será oportuno, ou que vale a pena, será que é possível criarmos no Brasil, agora, uma era vitoriana, nós que não tivemos a revolução industrial? Será que dá para reintroduzir o fraque e o chapéu coco, as anáguas, o casamento indissolúvel e as cocotes francesas em seus canapés?
É claro que somos contra a pornografia (pornovisão?), mas não temos visto pornografia na televisão. Ainda agora apresentou-se a série ``Engraçadinha", do saudoso e festejado Nelson Rodrigues, sob aclamações de público e crítica. Na nossa infância e adolescência tudo o que escrevia este querido amigo era pornografia, a simples menção do seu nome gerava protestos e indignação. Hoje é um clássico. Já a violência é outra estória e história.

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