São Paulo, sábado, 1 de julho de 1995
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Texto e contexto

JORGE DA CUNHA LIMA

Não tenho notícia de nenhuma civilização que se tenha engrandecido pela censura. Mas também não conheço sociedade que tenha amadurecido a partir da permissividade irresponsável.
Todas as civilizações que por razões moralistas e confessionais quiseram impor um padrão moral excessivamente rígido produziram efeitos contrários: veja-se a hipocrisia da moral vitoriana e a Lei Seca, que produziu o gangsterismo.
Da mesma forma, um Estado que renuncie ao seu papel de normatizar valores sociais para que a sociedade funcione e evolua em benefício dos cidadãos, tanto no plano econômico, político, quanto moral, estará favorecendo uma liberalidade que só favorece os detentores circunstanciais das oportunidades.
A questão da moralidade pública está diretamente ligada à cultura e ao próprio estágio de uma sociedade. Tanto a primitiva, regida pelos deuses e mitos, como a sociedade moderna, regida por contratos sociais, desenvolvem comportamentos relativizados pelas suas peculiaridades. O topless é tão natural para os índios e para as suecas quanto insuportável para um pedestre do Viaduto do Chá. Mas algumas coisas estão na própria natureza da dignidade social.
Uma delas, consagrada nas constituições avançadas, é a liberdade de expressão e de criação. No Brasil, a Constituição veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. Inimaginável, portanto, revestir os nus da criação. Insuportável a idéia de revisar o texto de um poeta porque ele incomoda o sentimento de culpa de algum parlamentar. Portanto não há censura aceitável nesse campo.
Por outro lado, numa sociedade em que a comunicação de massa tornou-se o centro prepotente da emissão dos desejos, dos comportamentos e das ideologias, é natural que o Estado, por delegação da sociedade, estabeleça normas de defesa do mesmo.
Está expressa na Constituição brasileira a clara idéia da responsabilidade social, cultural e educativa dos meios de comunicação, principalmente da televisão, que é uma concessão do próprio Estado. Acontece que, com raras exceções, a televisão não assume os preceitos constitucionais, atuando em função das exigências mercadológicas. E ainda não há uma ética na sociedade de massas, capaz de reagir às exigências exacerbadas do mercado.
O autocontrole da sociedade torna-se indispensável, senão o Estado será uma ficção inútil. O sexo e a violência são vendidos a preços módicos por pura disputa de audiência. E não é justo que uma criança em fase de formação seja vítima desse liberalismo irresponsável.
O Estado tem o direito de estipular limites, e as nossas leis não precisam de novas formulações. Tanto é que a Constituição exige ``respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família" (art. 221), e leis ordinárias regulam funcionamento e horários de espetáculos.
Na sociedade moderna ainda não se estabeleceu uma ética para a velocidade da informação. Os meios são mais rápidos do que a reflexão e as avaliações críticas. Assim, o Estado deve avaliar a conveniência da exibição do sexo explícito em horário infantil e coibir ganhos financeiros oriundos da sofisticação dos meios em detrimento da economia popular. Deve, portanto, definir o contexto e não o texto dos atos criativos.

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