São Paulo, domingo, 2 de julho de 1995
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Desindexação dura até 97, diz Serra

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ministro José Serra (Planejamento) diz que, ``se tudo der certo", o processo de desindexação da economia brasileira só estará concluído em um ano e meio.
Em entrevista à Folha, na noite de quinta-feira, ele falou sobre os desafios econômicos que o governo ainda não resolveu. Abaixo, os principais trechos:

Folha - Neste aniversário do real, as vantagens do plano são relativamente conhecidas. A mais vistosa é a queda da inflação. Gostaria que o sr. falasse sobre as desvantagens.
José Serra - Os problemas têm a sua importância, mas são muito menores do que os outros que a economia enfrentava. Há uma persistência de aumentos de preços nos setores que não sofrem concorrência externa e são de difícil controle. Um caso típico é o dos aluguéis, que só em São Paulo puxaram nove pontos de inflação neste último ano.
Outro problema óbvio é o do balanço de pagamentos, face àquilo que aconteceu na economia internacional após a crise do México. Outro problema é o de natureza fiscal. Temos uma situação de equilíbrio, mas seria melhor se pudéssemos ter um ajuste mais definitivo. Outra questão é o da taxa de investimentos, que ainda está muito baixa no Brasil. Outro problema é o da taxa de juros.
Folha - Há um ano, debatia-se sobre o risco de editar um plano sem que o ajuste fiscal estivesse feito. Optou-se por lançar o real e tentar o ajuste depois. Por que não foi feito ainda?
Serra - Primeiro, quero dizer que ajuste antes ou depois do plano é um falso problema. O ajuste fiscal é um processo, não é um estalar de dedos. Você tem que começar antes e acabar depois. E isso é o que foi feito. Só não chegamos ao ajuste definitivo porque praticamente todo o aumento de arrecadação foi para salários e inativos na área pública e para a melhora da situação dos aposentados.
Folha - Quanto tempo levará o ajuste definitivo?
Serra - O ajuste definitivo leva um horizonte de governo. Como disse, é um processo. Não um salto com vara, mas uma corrida de fundo, muito longa.
Folha - Por que a gestão FHC não privatizou nenhuma estatal até o momento?
Serra - Por que há um cronograma que não pode ser violado. A única maneira de ter privatizado no primeiro semestre seria cometendo alguma ilegalidade.
Folha - Quando será feita a primeira privatização?
Serra - Em julho, venderemos a Escelsa. Depois virão várias petroquímicas.
Folha - Quando será vendida a Vale do Rio Doce?
Serra - No ano que vem.
Folha - Houve, no final do ano passado, ainda no governo Itamar, uma abertura feroz aos importados. Agora, o governo aumenta alíquotas, institui cotas. Houve um erro naquela ocasião?
Serra - A abertura comercial foi rápida, drástica e massiva. Quando o processo de abertura tem essas características, é natural que você faça alguns ajustes posteriormente, o que não significa retrocesso.
Folha - Mas o sr. não disse, objetivamente, se houve erro ou não no final do governo Itamar?
Serra - Não vou avaliar se houve exagero ou erro. Prefiro dizer que o processo foi rápido, drástico e massivo.
Folha- Operadores do mercado avaliam que, para refletir a realidade, o dólar precisaria valer de R$ 1,10 a R$ 1,30. A defasagem chega a tanto?
Serra - Não.
Folha - Existe defasagem?
Serra - Eu não entro na discussão sobre se há ou não há defasagem. Houve uma apreciação considerável do real e essa apreciação, por outro lado, foi parte importante do processo de estabilização. Evidentemente, temos que estar de olho na balança comercial e procurar ter saldos positivos. O governo vem trabalhando nesse sentido.
Folha - Nós caminhamos para uma recessão?
Serra - Nós não vamos dar marcha a ré. Mas a economia tem que ter um nível de crescimento moderado, até porque o crescimento exacerbado não se mantém.
Até maio, o aumento do consumo no Brasil, pelos dados da Federação do Comércio de São Paulo, foi, em média, de 20% ao mês, em comparação com igual período de 94. Um ritmo como esse é insustentável. Mas não creio que estejamos dando nenhum mergulho recessivo. Há uma desaceleração, o que é diferente de recessão.
Folha - Até onde o PIB pode crescer neste ano?
Serra - Acho que não será inferior ao do ano passado (5,4%).
Folha - Quando o governo irá reduzir os juros?
Serra - Não há data. É um processo que já está ocorrendo. Houve uma atenuação dos compulsórios. O caminho é sempre gradual.
Folha - O sr. acha que o brasileiro vai conseguir se readaptar à economia desindexada?
Serra - Exatamente por isso é que o esquema proposto é gradual.
Folha - Não para os salários.
Serra - Também para eles.
Folha - Mas não se estabeleceu a livre negociação?
Serra - Sim, mas há vários fatores que configuram o gradualismo. Há salários que continuarão a ser fixados institucionalmente, como o mínimo, os proventos de aposentados e pensionistas. Você tem aí talvez mais de 5 milhões da população economicamente ativa. Haverá também o resíduo do IPC-r, a ser repassado em cada data-base. Há a figura do mediador.
Folha - Mas a desindexação é menos gradual para salários do que para o resto da economia.
Serra - Não. A TR não será mais indexador. Por dois motivos. Não tem sentido ter um indexador, à medida que você está desindexando, e não há sentido em que uma taxa de juros seja indexador.
Folha - Em quanto tempo o a desindexação estará concluída?
Serra - Se tudo for bem, passará da metade do governo FHC.
Folha- Mais um ano e meio.
Serra - É, se tudo for bem.
Folha - O que pode ir mal?
Serra - Fatores que não prevejo. Mas pode haver problemas inesperados, fatores secundários. Em economia, sempre que você resolve um problema aparece outro. Se não fosse assim, não teria graça.

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