São Paulo, domingo, 2 de julho de 1995
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A maratona da estabilização

ANTONIO KANDIR

O Real completa um ano e há motivos de sobra para comemorar. Medida pelo IPC-r, a inflação acumulada nos últimos 12 meses não supera os 35%. É a mais baixa taxa de inflação acumulada em igual período desde meados dos anos 70, quando a superinflação crônica começou a instalar-se em definitivo na realidade brasileira.
Frente à complexidade dos problemas acumulados ao longo de tantos anos, não causa espanto que o Plano Real necessite de ajustes e tenha ainda muitos obstáculos a superar. A estabilização não é uma corrida de cem metros rasos. É, na verdade, uma maratona. O notável é o plano ter chegado a seu primeiro aniversário com tantas vitórias expressivas e em condições de ajustar-se para seguir em frente.
Nessa maratona, que começou antes mesmo do lançamento do Real, cinco obstáculos importantes já foram superados: 1) descontrole das contas públicas, que chegou ao ápice ao final dos anos 80 (em 89 o déficit operacional chegou a 7% do PIB, caindo para 0,6% na média dos últimos cinco anos); 2) fragilidade cambial extrema (graças à recuperação do crédito externo a partir de 91); 3) indisciplina dos preços internos por falta de referência internacional (obstáculo removido por conta da abertura da economia); 4) falta de estímulo ao aumento da produtividade (também removido por conta da abertura da economia); 5) inércia inflacionária arraigada (em decorrência da introdução da URV, que colocou em fase os preços relativos).
Vencida a primeira etapa da maratona, surgiram novos obstáculos, um já superado (articulação de uma base de apoio parlamentar capaz de pôr em marcha a reforma da Constituição), outros em via de superação: 1) desequilíbrio na balança de pagamentos; 2) ritmo de expansão do consumo muito acima do ritmo de expansão da oferta.
São dois obstáculos interligados. A dificuldade de superá-los resulta, em última instância, da persistência de um problema herdado de anos e anos de superinflação crônica: a fragilidade monetária, materializada numa base monetária pequena e numa dívida pública de perfil curto.
Em condições de fragilidade, a política monetária torna-se um instrumento de utilização complicada e ambivalente, quando se trata de enfrentar problemas conjugados de balanço de pagamentos e aquecimento insustentável do consumo. Nessas condições, taxas reais de juros elevadas produzem ``efeito riqueza" significativo. Este compromete e distorce o impacto da política monetária sobre o nível de atividade e, por consequência, sobre os fluxos comerciais.
Atacar o problema com desvalorização acentuada do câmbio, só para produzir superávits comerciais, seria mandar pelos ares tudo o que foi conquistado até aqui. De outro lado, porém, não haverá fôlego para seguir até o final sem alteração importante nas características da política monetária, visto que, nas condições atuais, a utilização agressiva desse instrumento de política econômica tende a produzir mais danos à oferta que redução no consumo.
A alternativa, portanto, é criar condições para que o ajuste dos desequilíbrios gerados ao longo dos últimos 12 meses se faça pelo aumento da poupança pública e privada, em processo simultâneo e conexo à superação da fragilidade monetária. Esse é o caminho para reduzir o gasto agregado sem os efeitos perversos de uma política monetária agressiva em condições de fragilidade monetária e sem recorrer ao suicídio de uma desvalorização cambial acentuada.
Ocorre que, para percorrer esse caminho, que é o caminho da sua consolidação definitiva, o Plano Real não depende apenas do Executivo e da equipe econômica. A responsabilidade recai igualmente sobre os ombros do Congresso, na medida em que o aumento das poupanças públicas e privadas depende, afora o aprofundamento das privatizações, de mudanças constitucionais (reformas administrativa, previdenciária etc.) e infra-constitucionais que caberão ao Legislativo apreciar e aprovar.
Não será uma batalha fácil. Mas no Congresso, como na sociedade, o Real conta com o apoio político e a adesão que lhe permitiu chegar aqui em condições de superar os obstáculos finais e definitivos da maratona da estabilização.

Hoje, excepcionalmente, não é publicada a coluna ``Economia Ilustrada", de Eduardo Giannetti.

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