São Paulo, domingo, 2 de julho de 1995
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A desindexação

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

Se o governo tem motivos para comemorar o fato de a inflação ter baixado de mais de 40% em junho de 1994 para a casa dos 2% em junho de 1995, período durante o qual o PIB cresceu 8%, a massa salarial cresceu 16,3%, a taxa de desemprego diminuiu e o nível de emprego cresceu, deve ter, por outro lado, motivos para estar extremamente preocupado com os desequilíbrios que os próprios fundamentos do Plano Real estão a provocar, sobretudo no que diz respeito ao setor externo, aos segmentos afetados pelo comércio internacional -particularmente a agricultura-, à questão das taxas de juros extremamente elevadas e à inércia diante do problema da má distribuição da renda.
O presidente Fernando Henrique Cardoso, na última quinta-feira, ufanou-se de que, ``um ano depois, o real continua a valer mais do que o dólar", quando justamente neste ponto reside uma das grandes armadilhas do plano de estabilização -e uma de suas maiores fontes de problemas.
A sobrevalorização do real continua séria, em que pesem as duas modificações da banda cambial, e estão a provocar um déficit na balança comercial persistente, desde novembro passado, muito mais forte do que quaisquer das previsões feitas pelas autoridades.
Mesmo que haja uma reversão da tendência observada até junho, é possível que o déficit comercial atinja cerca de US$ 5 bilhões em 1995. Somado com os serviços, inclusive juros da dívida externa, provavelmente teremos um déficit nas contas correntes da ordem de US$ 20 bilhões.
Justamente para financiar este déficit é que o governo tem recorrido às taxas de juros extremamente altas para atrair capitais externos voláteis, tornando frágeis as reservas, que, em maio último, atingiam US$ 33,731 bilhões, US$ 10 bilhões a menos do que em julho de 94.
Ainda que o secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros, e André Lara Rezende tenham reconhecido o diagnóstico da sobrevalorização -exposto com abundância de elementos pelos deputados Antonio Delfim Netto e Maria da Conceição Tavares e pelos economistas Affonso Celso Pastore e Paulo Nogueira Batista-, o ministro Pedro Malan teima em não tomar as medidas consequentes. Mas já é um passo o seu reconhecimento da necessária flexibilidade e de não haver qualquer compromisso com a paridade entre o real e o dólar.
O nível atual de taxas de juros tem que ser reduzido com a máxima urgência, pois constitui-se em mecanismo perverso de controle da demanda. Há fortes sinais de reversão da atividade econômica e do emprego, bem como aumento dos níveis de inadimplência e falência das empresas.
A população mais pobre é duplamente prejudicada, pois o orçamento público fica crescentemente comprometido com o pagamento de serviços da dívida, desviando recursos que poderiam estar sendo utilizados para a melhoria das condições de vida dessas pessoas. As altas taxas de juros, por outro lado, acabam prejudicando a médio e longo prazo o próprio objetivo fundamental de combater a inflação. Na medida em que desincentivam os investimentos, acabam brecando o crescimento da capacidade produtiva, que na etapa seguinte estaria proporcionando maior oferta de bens na economia, um dos maiores fatores para se conseguir a estabilidade dos preços.
A medida provisória que introduziu a desindexação, anunciada no dia 30, por seu turno, representou total disparidade de tratamento para os assalariados em relação aos proprietários do capital. Na composição das despesas familiares há vários itens que continuarão a ser corrigidos periodicamente, mesmo que uma vez ao ano, como aluguéis residenciais, mensalidades escolares, planos de saúde e os vários tipos de empréstimos bancários, como os financiamentos do setor habitacional.
Já para os salários, salvo no caso do mínimo, a partir de julho nenhuma garantia há de que poderão ter o seu poder aquisitivo ajustado na medida em que ocorrer a alta de preços.
Para os rendimentos do mercado financeiro, ainda que mais espaçados, como a cada 90 dias, permanecem formas de ajuste de acordo com a inflação, em certos casos com um redutor, como no da nova Taxa Básica Financeira -TBF. Para sua própria receita, o governo procurou se garantir com a Ufir ajustada trimestralmente, neste segundo semestre, e a cada seis meses, no próximo ano.
No que se refere aos salários, o governo introduziu apenas a ``livre negociação coletiva", com a figura de mediador e, se necessário, de dissídio coletivo quando não houver entendimento direto entre empresas e trabalhadores. Estão vedadas ``a correção automática de salários vinculada a índice de preços e a concessão de aumento a título de produtividade não amparado em indicadores objetivos aferidos por empresa".
Nós da oposição devemos apresentar emendas à medida provisória. É indispensável introduzir dispositivo de proteção dos salários mais baixos, que garanta a reposição da inflação acumulada entre as datas-base. Também é necessário assegurar aos trabalhadores o acesso à informação que possa lhes dar uma medida mais objetiva de ganho de produtividade.
Para essa finalidade, as informações mais importantes são a variação, de um período para outro, do valor de vendas, das compras de insumos e do número de empregados. A diferença entre o valor de vendas e o dos insumos dará o valor adicionado, que, dividido pelo número de empregados e comparado de um ano para outro, dará o indicador mais objetivo de produtividade.

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