São Paulo, domingo, 2 de julho de 1995
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sinal verde

A televisão é o megafone do Greenpeace

MARIO VITOR SANTOS

A o colocar de joelhos a multinacional Shell, o grupo ambientalista Greenpeace consegue fazer aflorar ainda mais a nova onda do fim do milênio.
A filial inglesa da Shell planejava afundar no mar do Norte, ao largo da costa da Irlanda, uma megaplataforma de petróleo fora de uso, carregada de produtos tóxicos.
Enviá-la ao fundo do mar seria muito mais barato para a empresa do que deslocá-la até terra firme para o desmonte. Nesse caso, ainda haveria a decisão sobre o que fazer com os resíduos tóxicos. Hoje, o controle de descarga de poluentes tóxicos em terra é rigoroso.
O Greenpeace iniciou a campanha solitário, meses atrás. O grupo exigia que a Shell levasse a plataforma para terra. Com o apoio do governo conservador inglês, a Shell se recusava.
O movimento se alastrou. Aos poucos, foi ganhando o apoio de consumidores, empresas, partidos tradicionais e até de outros governos europeus. Aderiram a direção do partido governamental na Alemanha, entidades civis, todas as igrejas.
Nunca até agora uma frente contra uma ameaça ao ambiente obtivera apoio tão maciço. Nas grandes cidades da Alemanha, o boicote à Shell reduziu as vendas da empresa pela metade.
Até sua concorrente Agip, cujos postos têm placas amarelas semelhantes às da Shell, registrou queda importante nas vendas. Os motoristas passavam direto pelos postos.
Nunca em tão pouco tempo tantos europeus se puseram contra uma ameaça ambiental. Extremistas não-identificados chegaram a incendiar postos da empresa e ressuscitaram o antigo slogan ``Shell to hell" (``Shell para o inferno"), usado no anos 80 durante protestos contra a presença da empresa na África do Sul, então ainda submetida a um regime racista de minoria branca.
Nas últimas duas décadas, os ativistas do Greenpeace já se jogaram de pontes, amarraram-se a reatores, invadiram bases aéreas. Tudo é preparado com apoio de modernas técnicas de marketing, visando o espetáculo, a maior exposição possível de seus protestos nos meios de comunicação.
Na semana passada, os ambientalistas planejavam em detalhes o que fariam contra a retomada dos testes de bombas atômicas francesas nas ilhas do oceano Pacífico. A TV é o megafone do Greenpeace.
Nenhuma ação do grupo tinha, entretanto, até agora, alcançado repercussão tão dinâmica na Europa como o movimento contra o afundamento da plataforma Brent Spar. Nenhuma tinha posto em choque com tanta eficiência para os interesses do grupo as retóricas da ecologia (o mar é de todos e não é de ninguém) e da economia, com vitória de goleada para o esquema de relações públicas da primeira.
Ao final, A Shell cedeu, mas com a imagem em frangalhos. Acabou a Guerra Fria, a ordem é privatizar, os interesses se diversificam, não há visões políticas definidas, congeladas e estanques. As empresas privadas em todo mundo têm sinal verde. Verde é uma cor enganosa, às vezes.

Ilustração: Daniel Senise

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