São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995
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Opinião de lá para cá

CELSO FAVARETTO

Opinião 65 - 30 anos
Curadoria de Wilson Coutinho e Cristina Aragão Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro, 17/5 a 16/7/95 Catálogo, 80 págs. R$ 20,00

A atual retrospectiva de ``Opinião 65" pretende ser também uma prospectiva: um ``diálogo histórico" que rememora aquele acontecimento exemplar, cujo efeito multiplicador estendeu-se até 68, cotejando trabalhos de 30 anos atrás ``com obras recentes dos artistas que estão vivos". Entretanto, um diálogo histórico se efetiva quando há um campo em que atos passados e ações presentes, interceptadas, permitem a passagem da rememoração à elaboração. Pode-se perguntar se a associação de obras, cuja vitalidade e inquietação foram marcas de um tempo de promessas e radicalidade, com obras recentes, despojadas do acicate crítico, permite a prospectiva: ``Um mergulho no passado para entender o presente e (...) quem sabe? -pintar o pássaro do amanhã", como é dito no catálogo.
A retrospectiva é justificada. Mais que uma exposição de jovens e talentosos artistas brasileiros e de representantes estrangeiros do ``novo realismo", a mostra de 65 foi o momento em que os artistas plásticos voltaram a ``opinar", artística e politicamente. Opondo-se, quase todos, à abstração, associavam-se às tendências internacionais de uma ``nova figuração", de renovação da imagem, inclusive com ressonâncias pop. De modo mais ou menos explícito, em boa parte deles a alusão ao contexto sociopolítico manifesta a atitude de inconformismo face à situação provocada pelo golpe de 64. Assim como ocorria em outras áreas artísticas e culturais, estes artistas respondiam ao imperativo do momento: articular linguagens que dessem conta da rearticulação estética e das exigências ético-políticas da reação ao regime militar. O imaginário da ruptura e da invenção imbricava o artístico e o político, pelo menos nas propostas mais eficazes: aquelas que, diferentemente da politização direta dos anos anteriores, não distinguiam renovação estética e crítica política.
A denominação do espetáculo-show, ``Opinião", de dezembro de 64, já criara o signo feliz: a música de Zé Kéti, cantada por Nara Leão e depois por Maria Bethânia, dava o mote para a contestação: ``Pode me prender/pode me bater/que eu não mudo de opinião". Uma opinião que, em toda parte, significava inconformismo e resistência, hoje desatualizados. Embora diversos na contundência, o show do Teatro de Arena e a exposição geraram direções para a maioria das manifestações que estenderam (e distenderam) o signo da contestação até dezembro de 68. À ``Opinião 65" seguiram-se ``Propostas 65", ``Opinião 66", ``Nova Objetividade Brasileira" (67) e outras. Heterogênea, sem constituir-se, propriamente, num movimento com unidade de pensamento, a atividade dos artistas plásticos constituiu uma posição específica da vanguarda brasileira, considerada por Hélio Oiticica ``um fenômeno novo no panorama internacional".
O específico e o novo referem-se ao modo como a redistribuição estética, processada em todos os centros artísticos, foi aqui transfigurada culturalmente, pois, além de veicular toda sorte de inovação, articulou a crítica da arte (e do sistema de arte) à contestação política com particular eficácia. É a proposta de participação coletiva, que desintegra o objeto da arte e implica redimensionamento dos protagonistas (artistas e público), que no Brasil foi novo e singular. Em ``Opinião 65" já havia mostras disso, pelo menos com os ``parangolés" de Hélio Oiticica, muito embora obras de Escosteguy, Vergara, Gerchman, Antonio Dias e Flávio Império, por exemplo, também indicassem caminhos determinantes da arte do período.
A exposição de 65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, foi idealizada pelo marchand Jean Boghici, da Galeria Relevo, e pela crítica de arte Ceres Franco, que vislumbraram conexões entre o trabalho de artistas brasileiros interessados na ``volta à figuração" e alguns artistas franceses ou residentes em Paris que iam na mesma direção, inclusive na preocupação político-social. A iniciativa tinha por objetivo a atualização do meio artístico, aliando contribuição estética e visão de mercado. E isto foi também importante, pois evidenciou artistas desconhecidos ou pouco conhecidos e iniciou o processo de ``dialetização" do meio.
O confronto serviu para diferenciar claramente o ``novo realismo" europeu das experimentações brasileiras, tanto no trabalho com a imagem e nas maneiras de oposição ao informalismo e ao concretismo, como na figuração (ou alegorização) do político. Embora a intenção não fosse propor uma ``ótica política", como várias vezes declararam Jean Boghici e artistas participantes, o resultado não a desmentia, começando pela designação da mostra e traduzida em várias obras expostas. Expunham-se tendências diversas, do pop ao realismo mágico, dos objetos neoconcretos e neodadá ao figurativismo expressivo. Mas, em tudo, pretendia-se ser ``anti" e ``contra".
Esta exposição é, portanto, oportuna e estratégica: rever obras de artistas que se tornaram emblemáticos e rememorar o clima cultural em que medraram os projetos artísticos a que se articularam, como o fazem os textos do catálogo, é indispensável. Expõe a historicidade dos trabalhos, numa situação cultural em que foram plenos de sentido, e, simultaneamente, pelo confronto com a produção atual dos artistas remanescentes, evidencia as dificuldades da reinscrição da arte. Provavelmente, a sua proposta de que a vitalidade e inquietação de 30 anos atrás ``se mantêm intactas" nesses artistas talvez não seja sustentável. A alternativa dos artistas, hoje, não é a de manifestar uma ``opinião"; é, antes, a de afirmar trabalhos específicos, em que não falta a vitalidade, num tempo onde a evanescência da inscrição simbólica corresponde à reinscrição institucional da arte.

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