São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995
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Médico ou bóia-fria?

ANTONIO CELSO NUNES NASSIF

Não há dúvida de que esta é a pior crise vivida pela categoria médica brasileira. Crise de identidade, de conhecimento, das condições de trabalho, de salários e honorários, de respeito à dignidade profissional.
Por que isso está acontecendo?
A resposta começa pela formação acadêmica. São 80 as escolas médicas existentes em nosso país, formando anualmente cerca de 8.000 novos profissionais. Apenas 30% desse total consegue ocupar as vagas em residências médicas. Não existem mais vagas que isso. Os 70% restantes registram seus diplomas e buscam trabalho apenas com os conhecimentos que conseguiram acumular durante o curso de seis anos. Necessitam ganhar para seu sustento e de sua família. O problema é que muitos terminam o curso completamente despreparados.
Como agravante, o jovem médico, ao iniciar o exercício da profissão, encontra, desde logo, um mercado de trabalho saturado, concentração excessiva de médicos nas capitais e grandes cidades, ausência de um plano atrativo de interiorização médica, salários e remuneração por serviços prestados absurdamente aviltantes. Assim, torna-se presa fácil dos intermediários lucrativos da saúde, que hoje proliferam como coelhos.
Em termos de remuneração: o Inamps/SUS, maior empregador do país, paga por uma consulta médica a bagatela de R$ 2,04, 30 dias após o mês de competência. Os convênios, por sua vez, há um ano, vêm pagando por consulta em consultório R$ 12,40, quitando a fatura 20 a 30 dias após sua apresentação. Todo o custo operacional fica por conta do profissional credenciado e a receita passa ainda pelo ISS e Imposto de Renda. Será que sobra alguma coisa?
Esse aviltamento dos honorários médicos pode ser explicado: no caso do Inamps/SUS, ele é histórico, de muitos anos, agravado sempre pela falta de recursos orçamentários do Ministério da Saúde, que assim não pode reajustar sua tabela. Quanto aos demais, nos últimos cinco anos, um fortíssimo "lobby faz com que os planos de saúde e as medicinas de grupo, que deveriam ser melhor fiscalizados e controlados, continuem recebendo o beneplácito do governo e engordando seus lucros; as deficiências no atendimento e os prejuízos são socializados com os usuários e prestadores de serviços.
Acuada por liminares e ações no Cade e SNDE, a AMB submeteu-se e cedeu a um "erro histórico, convertendo o valor do CH, em maio de 94, em outro muito abaixo do considerado ético e digno. Hoje, por essa razão, a categoria paga um preço amargo e desalentador, que dificilmente será reformulado.
A persistir essa situação, os médicos que dependem da instituição governamental e/ou do sistema de convênios caminharão inexoravelmente para junto dos "bóias-frias, fazendo-lhes companhia na tristeza e desesperança e, dessa forma, com certeza serão, muito em breve, "uma raça em extinção.

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