São Paulo, segunda-feira, 3 de julho de 1995
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A volta da tesoura

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Liberdade de expressão é o mecanismo que assegura, mesmo à mais idiota das bocas, o direito de dizer tudo o que pensa. E às orelhas menos toscas o de selecionar livremente o que merece ser ouvido.
Exercitar a liberdade é simples como sugar o ar da atmosfera. Não gostou da música? Vire o botão do rádio. Achou a novela tola? Acione o controle remoto. Foi ofendido? Peça reparação à Justiça. A crítica o convenceu? Mude de atitude.
Difícil encontrar alguém que, peito aberto, defenda o regime de força. Mas há entre nós um perigoso pânico libertário.
O brasileiro de hoje digere liberdade e arrota censura. Ele venera a própria liberdade. Mas não move um chumaço de algodão pela liberdade alheia. Veste-se de democrata. Mas leva a censura no bolso.
Analisam-se no Congresso projetos que investem contra as pesquisas de opinião e contra a programação da TV. A Igreja se insurge contra o nacionalíssimo sincretismo religioso. Bonifácio de Andrada impede Herbert Vianna de cantar.
É o triunfo da irresponsabilidade. Os pais transferiram gostosamente a educação de seus filhos para Xuxas e Angélicas. Agora, querem censurar a programação da TV.
É a vitória da contradição. A mesma Igreja que invadiu aldeias a pretexto de levar evangelização branca aos índios, quer agora impedir que garotos do Olodum levem música negra aos seus templos.
É a consagração da desfaçatez. Democratas de fachada, os políticos perseguem o benefício do voto, mas sonegam ao eleitor o direito à informação. Tentam mantê-lo preso ao cabresto da desinformação.
A fúria conservadora expõe os neocensores ao ridículo. O Paralamas do Sucesso, por exemplo, deveria erigir uma estátua em homenagem a Bonifácio. O deputado transformou um rap panfletário e chato em música da moda. Herbert Vianna não teria melhor empresário.

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