São Paulo, terça-feira, 4 de julho de 1995
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Caminho incerto

JANIO DE FREITAS

O reconhecimento generalizado, a que não faltaram nem empresários pesados, de que os ônus da dita desindexação ficam todos com os assalariados, mais uma vez, produziu um susto evidente no governo e em seus aliados, com dois efeitos imediatos.
Evidência de que agiram combinadamente, o presidente Fernando Henrique e o ministro Sérgio Motta saíram em uníssono com a retórica do governo voltado, a partir de agora, para os projetos sociais. Esse discurso não faz, porém, o menor sentido. Seja porque o verdadeiro propósito do governo é continuar reprimindo gastos, do que o inigualável desprezo pela saúde dá exemplo indiscutível, seja porque os objetivos de desaceleração econômica, com o já perceptível aumento do desemprego, e os sacrifícios impostos aos salários são a essência da polícia econômica -e inconciliáveis com reparações das injustiças sociais.
Não menos significativa foi a atitude também imediata, entre outras equivalentes, no Congresso, do próprio líder do governo na Câmara, Germano Rigotto, logo admitindo que a MP da desindexação (vá lá que seja) seja alterada para aparar imposições excessivas. Por modos diferentes, mas não muito, dos partidos governistas saíram numerosas manifestações de contrariedade com a MP.
Mais do que em qualquer outro governo, a contradição entre a retórica e a prática é, neste, a marca registrada. Reações iniciais do Congresso, também, precisam sempre ser relativizadas: todas as medidas de todos os planos econômicos foram tratadas com covardia parlamentar sem limites. Mas o governo de Fernando Henrique é particularmente sensível ao grande empresariado paulista.
Os do sistema financeiro estão muito satisfeitos com a proteção da MP aos seus lucros excessivos, como expressa o banqueiro e novo-rico Antonio Hermann, do Banco Itamarati: ``A MP não provocou comoções no mercado financeiro. O governo está certo em não fomentar o crescimento das massas salariais". Na indústria, porém, as reações em circuito fechado são o oposto.
O comentário do presidente da Associação da Indústria Eletroeletrônica, Nelson Freire, sintetiza o entendimento dos industriais sobre a fórmula da desindexação: ``Alguns sairão perdendo, como os assalariados. É como na selva, os pequenos sempre perdem". Ou seja, os salários vão perder poder aquisitivo. E para quem, depois de fazer investimentos, já via suas vendas emagrecidas pelos juros e pelas medidas anticonsumo, a queda geral do poder aquisitivo soa como ameaça de enforcamento.
As férias do Congresso favorecem o governo e sua MP: os parlamentares ficam desobrigados até do que sejam aparências de reação. Mas no caminho da MP há mais do que parlamentares inconsistentes e centrais sindicais de precária eficácia. O futuro dessa desindexação é obscuro e assim continuará ainda por um bom tempo.

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