São Paulo, terça-feira, 4 de julho de 1995
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Tema racial no cinema é tema de pesquisa

AMIR LABAKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O crítico americano Robert Stam, da New York University está de volta ao Brasil. Stam dá aulas na Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ) e faz pesquisas para um novo trabalho sobre a questão racial no cinema brasileiro. O crítico faz palestra amanhã em São Paulo (veja texto ao lado).
Stam já deu vários cursos sobre cinema brasileiro na NYU e é autor de uma antologia ainda insuperada ("Brazilian Cinema", co-organização de Randal Johnson).
Multiculturalismo é o tema de seu último livro, "Unthinking Eurocentrism - Multiculturalism and the Media" (Routledge, Londres, 1994), escrito a quatro mãos com Ella Shohat. Uma edição brasileira já está sendo preparada.
Nesta entrevista, feita por fax, Stam frisa a relevância do multiculturalismo na produção cultural brasileira e debate as críticas de intelectuais como Harold Bloom.

Folha - Seu último livro analisa uma série de filmes brasileiros como "Vidas Secas, "Terra em Transe", "Macunaíma" e "Cabra Marcado Para Morrer". O cinema brasileiro lhe parece próximo ao multiculturalismo?
Robert Stam - Sim, embora multiculturalismo nunca tenha sido o lema aqui. Para mim, todo texto que coloca em relação diversas culturas e o faz de maneira crítica e anticolonialista é multicultural. Como não ver como multicultural a cena de "Carnaval Atlântida em que Grande Otelo e Colé zombam do pomposo diretor eurocêntrico Cecílio B. de Milho, que quer fazer uma versão hollywoodiana de Helena de Tróia, enquanto Otelo propõe uma Helena "mulata, do morro da Formiga?
Folha - Qual sua impressão frente ao debate sobre multiculturalismo no Brasil?
Stam - Todo dia leio ou ouço aqui a expressão "politicamente correto", mas quem a usa geralmente não sabe nada sobre multiculturalismo. Para mim, o "politicamente correto" foi uma invenção da direita para cortar verba para a educação. A mídia brasileira traduz o pensamento da direita neoconservadora americana.
O multiculturalismo encontra resistências no dois lados políticos no Brasil. Para a direita, é "coisa de crioulo"; para a esquerda, "coisa de gringo", puritana. O movimento fica caricaturizado pelos dois lados. A ironia é que o multiculturalismo tem tudo a ver como Brasil, em vários sentidos.
O modernismo de Mário de Andrade, a antropofagia de Oswald de Andrade, a Tropicália de Caetano e Gil são exemplos de multiculturalismo "avant la lettre".
Folha - O crítico literário Harold Bloom, na introdução ao recente "O Canône Ocidental" classifica o multiculturalismo de "política". Como o senhor vê a crítica de Bloom? Ela se distingue da posição de Roger Kimball, que associa o multiculturalismo a "caos e barbarismo"?
Stam - Claro que é diferente. Bloom critica a direita e a esquerda ao mesmo tempo, enquanto Kimball e companhia atacam só a esquerda. Bloom critica qualquer um que faça uso moralizante da literatura. Até aí concordamos.
Mas acho Bloom muito desinformado sobre multiculturalismo. Ele bota tudo no mesmo saco -descontrução, marxismo, lacanianismo, feminismo, afrocentrismo, antiorientalismo, o politicamente correto etc.- como fazendo parte da "cultura do ressentimento".
Folha - Como está sua pesquisa sobre o tema racial no cinema brasileiro?
Stam - O livro vai se chamar "Multiculturalismo Tropical: O Tema Racial no Cinema Brasileiro" e vai sair pela University of Minnesota Press. Estou trabalhando dentro de uma perspectiva comparativa Brasil/EUA.
São dois países comparáveis. Por exemplo, na época do cinema mudo, há filmes altamente racistas como "O Nascimento de Uma Nação, de Griffith, nos EUA, enquanto no Brasil há uma ausência quase total do negro. Comparo, por exemplo, "E O Vento Levou" e "Sinhá Moça" e "Macunaíma" e "Zelig" -dois "heróis sem nenhum caráter". Acho que uma abordagem transnacional, diaspórica e comparativa enriquece muito a análise dos filmes.

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