São Paulo, terça-feira, 4 de julho de 1995
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Desindexar o jornalismo

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Confesso que não consegui emocionar-me minimamente com a festa de desindexação da economia, ao contrário do que ocorreu em anteriores espetáculos do gênero.
Vai ver que é a idade. Já vi tanta coisa semelhante que perde a graça. Até porque a vítima de plantão é a mesma de sempre, o salário.
Se for só um problema de fadiga do material humano, é fácil resolver. Troca-se a peça. Basta punir-me com a transferência para, digamos, Paris.
O problema é que talvez não seja fadiga do material humano e, sim, do material jornalístico oferecido pelo governo. Basta ler a coluna de Nelson de Sá, no sábado. Apesar de bem mais jovem, ele também exalava tédio.
Suspeito que chegou a hora de quebrar a inércia também do noticiário. Aliás, faz algum tempo que, em seminários e reuniões internas desta Folha, se fala em desestatizar o noticiário. Ou seja, olhar menos para Brasília e mais para o Brasil.
O leitor é a única instância capaz de julgar se estamos ou não desestatizando o noticiário. Do meu ponto de vista, fizemos pouco.
O pacote da desindexação talvez seja a maior prova. Fomos vítimas da inércia jornalística, prima-irmã da inércia inflacionária. Trouxemos para o noticiário presente a memória dos pacotes passados. Como a maioria deles virou o país de cabeça para baixo, agimos como se o novo pacote tivesse o mesmo efeito. Não tem.
Consequência: excesso de antinotícia. Prova: o caderno sobre o 2º tempo do real, no domingo, tinha nada menos do que sete títulos com os verbos manter ou continuar, incluindo o subtítulo da manchete principal. Ora, notícia é novidade. Manter ou continuar algo é em geral o contrário de novidade.
Culpar os ``tituleiros" equivaleria a responsabilizar o ilustrador da capa de um livro por um enredo pífio.
Não é fácil desestatizar o noticiário, até porque o poder público ainda é o maior gerador de fatos realmente abrangentes. A sociedade age (ou reage) fragmentariamente. Mas talvez seja necessário correr o risco. Se não der certo, sempre resta Paris, ao menos para mim. Espero.

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