São Paulo, sexta-feira, 7 de julho de 1995
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Reparações contra `racismo cordial'

FERNANDO CONCEIÇÃO

O alerta do professor Milton Santos quanto à utilização indevida dos resultados da pesquisa do Datafolha sobre o racismo no Brasil merece ser destacado do conjunto dos comentários já feitos a respeito desse assunto.
De fato, pesquisas sociais que se reduzem à aplicação de técnicas meramente quantitativas empobrecem a complexidade das realidades que os números e as estatísticas dizem expressar. Portanto, suas conclusões devem ser aceitas sempre com alguma cautela, na medida que a ditadura da exatidão numérica sempre esconde graus variados de irracionalismo.
Uma vigilante postura crítica, muito bem demonstrada pelo professor Milton Santos na entrevista que concedeu ao suplemento ``Racismo cordial" (Folha, 25/06/95), vem ao encontro do pensamento de outro crítico do problema, Eliseo Verón, no combate à ideologia do cientificismo.
O esforço empreendido por este jornal no estabelecimento de uma estatística sobre o racismo deve ser continuado. É preciso envolver a sociedade brasileira num processo de conscientização da necessidade que essa mesma sociedade deve ter de superar a ideologia de inferioridade étnica.
A Folha entrou com peso no ``fora Collor" e na campanha pelas diretas. Poderá abraçar a presente causa? Mesmo Marilene Felinto -que ao rejeitar-se como negra vem se arvorando em porta-voz de uma categoria racial específica que a distingue dos negros- e os 43% que preferiam ser chamados de ``morenos" sofrem preconceito unicamente pela cor de sua pele.
Nesse sentido, a mudança semântica de constar no censo como ``preto", ``pardo", ``moreno", ``marrom" ou ``mestiço" não resultará em alteração do status subalterno dos descendentes de africanos.
Somamos em torno de 60 milhões de trinetos e tataranetos de africanos coisificados para o trabalho escravo, principal pilar da formação da economia brasileira. Urge a implantação de políticas compensatórias que corrijam o crime da escravidão e a omissão inerente à lei que a aboliu.
Desde dezembro de 1994, o Movimento pelas Reparações (MPR) ofereceu à Justiça Federal em São Paulo -através de uma ação declaratória- a primeira oportunidade de se pronunciar sobre o tema.
O pagamento dessa dívida, para além de uma questão ética e moral, se traduz na indenização material, mesmo em dinheiro, como foram indenizados os judeus depois da Segunda Guerra Mundial. As reparações quebram o círculo vicioso que reproduz a miséria dos negros no Brasil.

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