São Paulo, sexta-feira, 7 de julho de 1995
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"Lolita" vê paixão como estado patológico

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filme: Lolita
Produção: Inglaterra, 1962, P&B
Direção: Stanley Kubrick
Elenco: James Mason, Sue Lyon, Shelley Winters, Peter Sellers
Onde: a partir de hoje no Cinesesc

Em ``Lolita", os personagens não têm psicologia (no sentido corrente de motivação). Têm, apenas, estratagemas. Óbvios, estampados em seus rostos. Ali está a viúva Haze (Winters), disposta a tudo para fisgar o professor Humbert (Mason). Humbert não hesita em casar com ela apenas para seduzir sua filha, Lolita (Lyon).
Ao longo de todo o filme, esta será a tocada: direta, fria, objetiva. Uma direção que irritou os fãs de "Lolita", o romance, de quem Kubrick teria tirado as características delirantes.
Existe aí um tanto de verdade. Para filmar o romance de Vladimir Nabokov, Stanley Kubrick enfrentou uma bateria de problemas. O primeiro, com o próprio Nabokov, que só aceitou escrever o roteiro depois que teve um sonho que foi, segundo ele, "uma iluminação".
Problema maior era a censura. Para contorná-la, foi preciso sacrificar a força erótica do original. Assim, abandonou-se a subjetividade de Humbert. Sua paixão pela menina -fio condutor da trama- foi colocada em relativa surdina.
Em troca, a cena em que Humbert mata Quilty, o homem que seduz Lolita, foi puxada para o início. O resultado decepcionou Kubrick: como o público logo reconhecia a natureza sexual da paixão do professor por Lolita, todo o crescendo final ficou prejudicado.
As reservas do diretor em relação ao filme são um pouco exageradas. Seria, no entanto, possível acrescentar-lhe outra, justamente num aspecto em que ele não teve dúvidas. Assim que viu Sue Lyon, então com 14 anos, Kubrick reconheceu nela "uma atriz nata".
Foi, provavelmente, a primeira e a última vez que isso aconteceu. Não é importante, a rigor, que a garota do filme tenha 9 ou 14 anos. Mas é certo que Lyon não transmite as qualidades "diabólicas" que Humbert lhe atribui.
Como Kubrick optou por uma direção objetiva, cria-se um desequilíbrio entre Mason -ator notável, que transita do "homem normal"ao psicopata em uma fração de segundo- e Lyon. Torna-se mais difícil, com isso, aceitar a degradação do professor.
Esses desequilíbrios não invalidam ``Lolita". A frieza cirúrgica com que trata os personagens, a ausência de delírio, até a relativa fraqueza de Sue Lyon acabam "normalizando" a paixão. Ou antes: terminamos por vê-la como uma espécie de doença -incurável. Pior: dessa "normalidade", infere-se a "anormalidade" do estado amoroso. Uma patologia a que a humanidade está tão sujeita como o Humbert aos caprichos de sua ninfeta favorita.

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