São Paulo, sexta-feira, 7 de julho de 1995
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Boicote

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - Na luta contra produtos importados, o lobby da indústria do calçado está agindo com persistência, exigindo mais proteção ao governo. A batalha é dura, enfrenta resistência em setores oficiais, mas, a julgar pela proteção obtida pelos têxteis, eles vão obter concessões. Daí se vê uma grosseira obtusidade.
Não vou comentar hoje se a indústria do calçado merece ou não ser protegida -sequer conheço os números do setor. Não faço a menor idéia sobre como os calçados da Ásia conseguem chegar com preços tão baixos. A questão, aqui, não é comércio exterior, mas hipocrisia. Explico.
Há tempos é denunciado o uso de mão-de-obra infantil na produção de calçados, boa parte dela vive em esquemas semelhantes da escravidão; meninos e meninas trabalham por meio de esquemas paralelos para as grandes empresas.
Um relatório produzido pelo Dieese, agora lançado, volta a trazer graves denúncias, especificamente na cidade de Franca, interior de São Paulo. Crianças de apenas sete anos já estariam expostas a condições humilhantes e perigosas, devido ao contato com produtos químicos.
Lá, segundo o relatório, aproximadamente mil oficinistas empregariam 73% das crianças ocupadas em algum trabalho na cidade. Ganham menos de meio salário mínimo por mês.
Diante das denúncias, as grandes empresas afirmam que nada ou pouco podem fazer. Motivo: eles compram serviços de terceiros, os quais usariam e abusariam das crianças. Portanto, lavam as mãos. Sabem, entretanto, que são cúmplices.
Caso a indústria gastasse uma pequena parcela da energia que gasta pelos corredores de Brasília atrás da proteção oficial, em pouco tempo o problema melhoraria. Não é difícil: apenas ajudaria a fiscalizar as empresas que vendem o material para as grandes indústrias.
Numa sociedade organizada, existe uma boa lição aos que escravizam crianças: boicotar os produtos sob suspeita. E simplesmente não comprar.
PS - Exemplos: empresas inglesas suspenderam encomendas de bolas de futebol do Paquistão, feitas por meninos em regime de semi-escravidão.

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