São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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Assalariado perde com o fim da indexação

Maiores prejudicados estão entre os que ganham menos

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O fim da indexação dos salários à inflação vai gerar perdas para grande parte dos assalariados.
Os maiores perdedores estarão entre os 42 milhões de brasileiros que ganham até R$ 300 por mês e que fazem parte das categorias menos organizadas da economia.
O tamanho das perdas vai depender da atividade econômica, que hoje aponta para baixo.
A corrosão salarial existiria mesmo se os salários ficassem indexados, mas ela seria menor.
Entre 1970 e 1995, por exemplo, período em que os salários permaneceram atrelados aos preços, os rendimentos gerados pelo trabalho caíram de 52% para 30%, perdendo espaço para ganhos obtidos em aplicações financeiras, aluguéis etc. (ver quadro).
Foi a inflação quem corroeu os salários, apesar da indexação.
Exemplo de como o trabalhador pode perder com a desindexação: por problemas financeiros, algumas das 1.500 empresas do setor têxtil de São Paulo não pagaram em novembro passado os aumentos salariais previstos em lei.
Muitos trabalhadores acabaram conseguindo o pagamento dos reajustes na Justiça, já que ele estava prenunciado na lei salarial, que previa a indexação à inflação.
Com o fim da indexação, os trabalhadores que não receberem aumento de seus patrões não poderão apoiar-se na lei para conseguir a reposição da inflação.
Se não for modificada, a lei obrigará apenas a correção do salário mínimo e das aposentadorias.
``As únicas coisas que poderão garantir o valor dos salário serão a estabilidade dos preços e o crescimento econômico", diz Antonio Prado, coordenador de produção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Com a inflação a 30% ao ano, o rumo da atividade econômica é a chave para os ganhos ou perdas.
``Algumas empresas e setores poderão dar os reajustes, outras não. Vai depender da economia", diz Roberto Ferraiuolo, diretor do Departamento de Relações Intersindicais e do Trabalho da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
A Ford e a General Motors começam esta semana a dar férias coletivas a seus funcionários por causa da queda nas vendas.
Heiguiberto Della Bella Navarro, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, diz que sua categoria é organizada e que vai ``fazer tudo" para receber mais para frente reajustes com base na inflação -com ou sem indexação.
O oposto pode ocorrer em setores como a construção, onde a mão-de-obra tem alta rotatividade e pouca organização.
``Com desindexação e recessão, nossos trabalhadores poderão perder mais no salário. Mas as demissões serão menores, pois as empresas não serão obrigadas por lei a dar reajustes", diz Paulo Godoy, presidente da Apeop (que reúne os empreiteiros de obras públicas em São Paulo).
Este setor encolheu em 21 mil funcionários desde 93 e paga, em média, R$ 280 ao mês para seus 96 mil empregados.
Marcio Pochmann, economista da Unicamp, diz que, se a economia não voltar a crescer, haverá um aumento da dispersão salarial no Brasil, abrindo a diferença entre os menores e maiores salários.
Isto deve ocorrer pelo fato de os maiores salários geralmente estarem concentrados nas categorias mais organizadas, que provavelmente terão correção pela inflação.
Também por isso, o impacto da desindexação salarial sobre o consumo não deve ser significativo. Em média, quase 40% do dinheiro gasto com o consumo no Brasil sai do bolso de trabalhadores que ganham mais de R$ 3.000 por mês.
Em São Paulo, os trabalhadores que recebem até R$ 200 representam apenas 0,6% do que é gasto com o consumo (ver quadro).
Com exceção dos setores que utilizam mão-de-obra intensiva na produção, como o calçadista, o fim da obrigatoriedade de corrigir os salários pela inflação também terá impacto menor.
Na média dos setores industriais, os salários representam apenas 16,2% dos custos dos produtos.
No setor automobilístico, segundo o Dieese, o salário equivale a somente 5% do preço de um automóvel.

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