São Paulo, domingo, 9 de julho de 1995
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Tribos do mundo

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

O que é um americano?
A pergunta está no último número da revista ``Newsweek", que continua a indagação na sua reportagem de capa: ``Se todos têm seu próprio nicho, o que nós ainda temos em comum?"
A sociedade branca, com negros sob controle, que forjou o caráter nacional da América e irradiou pelo planeta as delícias de seu sonho não se reconhece mais no mosaico étnico em que veio se transformando nas últimas décadas.
Hispânicos, asiáticos, árabes europeus do sul e do leste: todos vivem sob listras e estrelas, mas cada um na sua própria constelação, cada vez mais delimitada pela ideologia da correção política e por uma compreensão museológica do multiculturalismo.
Mas não é apenas nos vãos da divisão étnica que o velho caráter americano esvai-se. A busca de pequenas identidades e a obsessão de politizar a diferença, os hábitos, o comportamento sexual, abrem um cenário inédito de tribalização -nem sempre de convivência pacífica.
Fumantes contra não-fumantes, usuários de droga contra não-usuários, coreanos contra negros, latinos contra brancos, mulheres contra homens, homossexuais contra heterossexuais, lésbicas contra gays etc.
A pulverização é ainda mais gritante quando se põe uma lente de aumento sobre os diversos territórios. Surge, então, uma profusão de microtribos, que se formam não apenas a partir de etnias ou opções sexuais, mas de roupas, cortes de cabelos, hábitos alimentares, interesse por tecnologias, linguagens etc.
O fenômeno não é só americano, embora nos EUA, por vários motivos, ele possa ter um brilho especial. A Europa também experimenta a fragmentação, a começar pela corrida em busca da identidade em pequenos nacionalismos.
Além dos casos mais conhecidos, como o dos bascos e da guerra iugoslava, proliferam movimentos autonomistas da Escócia à Itália. A tendência acentuou-se com o recrudescimento da ideologia europeísta e a eliminação das fronteiras. A idéia de ser ``europeu" parece desestabilizar microcosmos e mentalidades, que acabam fechando-se em si mesmos.
O fato é que o mundo muda. A quebra do sistema das duas superpotências, a expansão do novo capitalismo, a integração dos mercados, a digitalização da vida, as facilidades de locomoção, a ``globalização", enfim, de que tanto se fala, tudo vai levando a uma reconfiguração da face do planeta e afetando as noções de Estado e identidade nacionais.
Para alguns o cenário que se avizinha pode ser sombrio. Um livro recém-lançado sobre o futuro dos EUA, ``The Next American Nation" (leia à pág.1-26), levanta duas hipóteses para os EUA. A da ``balcanização", ou seja a fragmentação com hostilidades e a da ``brasilização".
A última, conhecemos bem: pequena elite com muito dinheiro no topo e uma enorme massa por baixo, sem chances de ascensão.
Quem diria: esse país, sempre tão aflito com a busca de seu próprio caráter nacional, vira referência para definir o futuro caráter da América.
Mais uma vez os EUA se curvam ante o Brasil.

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