São Paulo, terça-feira, 11 de julho de 1995
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Coerência e diarréia

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Tivessem um tiquinho de coerência, os liberais brasileiros seriam os primeiros a protestar contra o projeto de desindexação dos salários.
Uma proposta de fato liberal diria apenas que vale a livre negociação e ponto final. O que o governo fez foi estabelecer a livre negociação cercada daquilo que o deputado Roberto Campos (PPR-RJ) adora chamar de ``diarréia normativa".
A propósito de Campos e da coerência dos liberais. Nos sucessivos governos militares, bateu-se o recorde brasileiro de ``diarréia normativa". Ou alguém já se esqueceu da coleção de atos institucionais? Nem por isso o hoje irado Campos se lembrou, à época, de emitir ao menos um murmúrio de desaprovação.
Fechado o parêntese, voltemos à MP dos salários. Se os liberais acreditassem, no íntimo, na força do mercado para regular as coisas, nem sequer se importariam com a hipótese de, na livre negociação, o patronato conceder aumentos e tentar repassá-los para os preços.
Afinal, diz a teoria liberal, o mercado se incumbe de punir quem abusa dos preços. Suas mercadorias encalham. Não é assim que funciona o livre mercado?
Acontece que até criança de primário sabe que não é assim, em lugar algum do mundo -e no Brasil menos ainda. A única lei de mercado que de fato funciona é a velha ``quem pode mais, chora menos". Em países civilizados, o número dos que podem é relativamente alto. Logo, é relativamente baixo o número dos que choram mais.
No Brasil, como são poucos os que de fato podem, mesmo a lei da oferta e da procura, que deveria ser inflexível, é apenas relativa. Na hora de aumento da procura, os preços sobem (vide ágio na venda de carros, por exemplo). Mas, na hora de queda da demanda, os preços não caem (vide a situação atual das vendas no mesmo setor automobilístico).
A única coerência dos liberais brasileiros se dá na falta de imaginação. Plano vai, plano vem, sempre que há uma dificuldade qualquer, mexem nos salários, como agora. O resultado está à vista de todos, e, não fosse a nobreza da página, o qualificaria com uma expressão bem mais chula do que diarréia.

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