São Paulo, domingo, 16 de julho de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lobo com pele de cordeiro

OSIRIS LOPES FILHO

A decisão da Volkswagen de instalar em Resende, no Estado do Rio de Janeiro, uma nova fábrica de caminhões e ônibus, deu novas forças a uma corrente tributária que tentava ocupar o noticiário dos jornais e, num desdobramento mais estratégico, empolgar o processo de reforma tributária.
Trata-se da corrente ``pacifista". Seus membros entendem que uma das deficiências do sistema tributário é a possibilidade que ele encerra de eclosão de guerras fiscais. Assim, urge extinguir esses conflitos, em nome da racionalidade e do interesse público.
Essas guerras materializam-se, com maior intensidade, no âmbito do ICMS, quando Estados, objetivando atrair novos investimentos ou amparar empresas ali existentes, estabelecem em seu favor isenções, incentivos, diferimento de prazos de pagamento do tributo. Oferecem atrativos tributários para captar ou fortalecer investimentos nos seus territórios.
Na verdade, não é só na área do ICMS que ocorrem esses conflitos. Em ponto menor, diariamente acontecem pequenas escaramuças entre os municípios. Assim, é comum que alguns municípios ofereçam não só terrenos a serem doados para novos empreendimentos industriais, mas também isenções do IPTU por longo prazo.
A distorção mais gritante desses mecanismos de cativação de investidores utilizados pelos municípios é praticada nas grandes áreas metropolitanas. Os municípios da periferia estabelecem alíquotas do ISS em nível bem baixo, para que os estabelecimentos prestadores de serviço ali se instalem.
Muitas vezes, o estabelecimento é uma mera sala, que só serve para definir o local onde deva ser pago o tributo. Evidentemente, em nível menor do que no município central. A prestação de serviços vai se materializar efetivamente no município-centro, pois lá estão o mercado e as oportunidades para o desempenho produtivo.
Para estancar essa variante tributária do processo tão praticado pelos governantes brasileiros do ``é dando que se recebe", vêm os ``pacifistas" propor que se crie o Imposto de Valor Agregado, como fusão do IPI, ICMS e ISS, e que se ``federalize" a sua legislação, que passaria para a União.
Quando ouço falar em ``federalizar" o IVA, concentrando-se o poder de legislar na União, fico em dúvida se esse vocábulo é utilizado como uma manifestação habitual da ignorância ou do desprezo jurídico de segmentos da tecnocracia brasiliense ou se o objetivo é de achincalhar, ao se denominar de federalização a própria destruição da Federação, como forma de estruturação do nosso Estado.
Retirar o ICMS dos Estados e do Distrito Federal e o ISS dos municípios é destruir a Federação. Concentrar o poder de legislar sobre o Imposto de Valor Agregado na União significa conferir ao Estado brasileiro uma configuração unitária.
A existência de conflitos é inerente à partilha da competência tributária típica da Federação.
A recente decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, suspendendo, por inconstitucionalidade, a aplicação de dois dispositivos da medida provisória da desindexação, que castravam a competência da Justiça Trabalhista e interferiam na autonomia sindical, é uma advertência séria aos que pretendem, em audácia extemporânea, destruir a Federação brasileira.
Afinal, o artigo 60, parágrafo 4º, inciso 1º da Constituição estabelece como cláusula pétrea que ``não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado".
Valeria a pena que os ``pacifistas" do governo federal estudassem a nossa história. Mesmo a ditadura militar, que foi poderosa, jamais ousou tanto quanto agora se ambiciona em matéria de concentração de poder tributário. É hora de o Poder Executivo observar o juramento constitucional do presidente Fernando Henrique ``de manter, defender e cumprir a Constituição".

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

Texto Anterior: Prefeito de Londres visita Brasil em agosto
Próximo Texto: Vontade de enterrar ou de salvar
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.