São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 1995
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Reforma deve reduzir recursos de sonegadores

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Três palavras -anacrônico, anárquico e injusto- são usadas pelo deputado Antonio Kandir (PSDB-SP) para definir o atual sistema tributário do país.
Depois de dois meses e meio à frente de uma comissão especial da Câmara, dissecando a estrutura de impostos, Kandir avalia que, sem mudanças nos tributos, o Plano Real sobreviverá de maneira ``instável" e ``precária".
A receita de Kandir, já acertada com o governo, prevê mudanças graduais, que estimulem os investimentos. Leia trechos da entrevista, concedida na sexta-feira:

Folha - Qual é a reforma tributária possível quando os governadores reclamam por uma ``reforma neutra", a União não quer perder receita e os contribuintes não aceitam pagar mais?
Antonio Kandir - Acho possível fazer uma reforma em que o contribuinte pague menos tributos a médio prazo, e a União, os Estados e municípios não saiam perdendo. O espaço para se fazer essa reforma é em cima do sonegador.
Folha - Na prática, o que vai mudar no sistema tributário?
Kandir - A reforma precisa resolver três grandes problemas. O primeiro é o anacronismo do atual sistema, montado no início dos anos 60 para uma economia fechada. É preciso adaptar o sistema aos tempos de economia aberta e integrada internacionalmente.
O segundo problema é a anarquia do sistema. Durante anos vivemos num sistema centralizador. Na constituinte de 1988, houve uma reação forte que produziu um modelo desorganizado, abriu brechas para os sonegadores e complicou o sistema tributário.
O terceiro é a injustiça fiscal. Há setores protegidos por privilégios fiscais pouco defensáveis e transferências espúrias de renda.
Folha - Um dos pontos acertados na proposta de reforma é a isenção de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para os exportadores. Quem vai pagar essa conta de mais de R$ 1,5 bilhão?
Kandir - A tendência é financiar um fundo de compensação dos Estados com uma parcela do Imposto de Importação.
Folha - Outro objetivo da proposta de reforma é reduzir o custo das empresas sobre as folhas de salários. Isso não vai acabar aumentando a carga de impostos dos consumidores?
Kandir - É nas contribuições sociais que está a mais forte distorção do nosso sistema. A idéia é reduzir o número de contribuições de 21 para cinco.
Em qualquer hipótese, as contribuições sociais se transformam em custo que é repassado ao consumidor. O consumidor sempre paga. A grande vantagem de transferir da folha de salários é estimular a criação de empregos e tirar muitas empresas do reino da informalidade.
Folha - Há uma proposta de reduzir o Imposto de Renda das empresas. Isso vai acabar com a possibilidade de uma empresa pagar menos imposto do que um contribuinte comum?
Kandir - Vamos fazer mudanças no Imposto de Renda da pessoa física e da pessoa jurídica. No imposto da pessoa física, a intenção é reduzir o número de alíquotas provavelmente para duas. Mais adiante, abre-se até a possibilidade de reduzir as alíquotas.
Na área das empresas, a proposta é cobrar uma alíquota única, sem os adicionais que existem hoje. Temos também que fazer com que a possibilidade de renúncia fiscal deixe de ser uma transferência de renda pouco explícita.
Folha - A União deixa de recolher cerca de R$ 11 bilhões com incentivos e subsídios fiscais por ano. Esse quadro é intocável?
Kandir - Boa parte dos R$ 11 bilhões desses incentivos ou subsídios tem sido dada sem resultados defensáveis e sem qualquer controle. A idéia aí é deixar mais clara no Orçamento a transferência de recursos para determinados setores. Mas o ajuste será progressivo, não dá para acabar com os incentivos num só momento. Só serão mantidos aqueles necessários.
Folha - Há uma fórmula para combater a sonegação?
Kandir - A primeira coisa a ser enfrentada é o entulho fiscal. Hoje, quando o sonegador é autuado, pode recorrer ao delegado da Receita, ao conselho de contribuintes, à câmara superior, ao Tribunal Regional (Federal), depois ao juiz de primeira instância da Justiça Federal, até chegar ao Supremo Tribunal Federal.
Com isso, você tem processos de cobranças de impostos que duram até 20 anos. A maior parte dos casos dura 12 anos. Estamos propondo a melhoria do processo de cobrança dos créditos tributários.
Para se ter uma idéia da importância disso, se conseguíssemos cobrar toda a dívida dos contribuintes junto ao fisco, seria possível abater a dívida interna o suficiente para economizar, com o pagamento de juros a cada ano, o equivalente à arrecadação do IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras). No fundo, a gente quer simplificar o sistema, tapar os ralos jurídicos e fazer com que o processo de cobrança não seja passível de tantos recursos.
Folha - A proposta vai incluir a quebra do sigilo bancário?
Kandir - Eu diria que, em alguns casos, previstos claramente em lei, é preciso que a administração tributária tenha mais recursos em termos de informação.
Folha - A volta do IPMF é compatível com o novo sistema que está sendo proposto?
Kandir - Eu considero o IPMF pouco compatível com uma economia que se moderniza e se integra internacionalmente. Sou totalmente contra esse tipo de imposto. Mas a decisão é do presidente.
Folha - Qual é diferença do país com e sem a reforma?
Kandir - O Plano Real tem sido um sucesso até hoje porque as finanças públicas estão sob controle, porém de uma maneira instável, extremamente precária e com custos e tensões crescentes.
O controle das contas públicas tem sido feito na boca do caixa da União, prejudicando o gasto maior, desejável, no campo da saúde, educação e dos investimentos na área de infra-estrutura.
O equilíbrio financeiro do governo não se mantém a longo prazo se você não criar condições para uma reforma tributária que diminua a sonegação e aumente a competitividade das empresas.
Folha - Que parte da reforma tributária seguirá para o Congresso ao final do recesso?
Kandir - Haverá uma lei complementar do ICMS, uma lei complementar do ISS (Imposto sobre Serviços). Haverá ainda uma lei ordinária sobre o Imposto de Renda e uma lei ordinária que melhore o processo de cobrança do crédito tributário. Estas iniciativas legislativas têm de ser encaminhadas agora no segundo semestre.
Folha - Quais serão os resultados imediatos?
Kandir - Na lei complementar do ICMS há uma coisa que fará uma diferença brutal ao eliminar todo e qualquer efeito cumulativo de impostos. No momento em que a empresa recolher o imposto, vai poder descontar todo o imposto que ela pagou correspondente aos insumos. Isso vai desonerar completamente os investimentos.

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