São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 1995
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O oportuno mea-culpa de FHC

LUÍS NASSIF

Nos últimos dias o presidente da República passou a se queixar amargamente das tempestades que começa a colher agora, e que poderiam ter sido evitadas se combatidas a tempo -caso da balança comercial e da crise da agricultura.
Registre-se, em seu favor, que a tomada de consciência deu-se em tempo relativamente curto. Contra, saliente-se que até agora o presidente só se deu conta dos erros que já resultaram em xeque contra seu governo.
FHC foi vítima do isolamento do poder e da alienação da realidade. Trata-se de típico fenômeno de grandes organizações burocráticas, que não dispõem de plano estratégico nem de sistemas eficientes de informação alimentando seu ``board".
Nesses cenários, a tendência de cada diretoria é agir isoladamente, preocupando-se em ocupar espaço na organização e em não levar problemas para o chefe.
É nesses ambientes que floresce o típico funcionário ``deixa comigo", ou ``está tudo sob controle" -que tem o mesmo biótipo em qualquer organização burocrática, pública ou privada.
Quando, por excesso de problemas para administrar, o presidente da companhia dá carta branca a esses funcionários em estratégias fundamentais, é fria na certa.
Se o departamento comercial der as cartas, baterá todos os recordes de vendas -e quebrará a companhia por excesso de custos. Se quem der as cartas for o ``controller", cortará todos os custos -e quebrará a companhia por excesso de cortes.

Equilíbrio de poderes
Foi o que ocorreu no caso agrícola. A grande crise agrícola estava desenhada desde o ano passado. Para resolver o problema, a equipe econômica comprometeria suas metas de política monetária. E eu lá sou besta de estragar minhas metas monetárias para quebrar o galho de outro ministério?
Se fosse o contrário -todo o poder à agricultura, com o enfraquecimento da área econômica- ter-se-ia produzido desastre nas contas públicas, tão letal quanto.
A mediação desses conflitos, subordinando todas as decisões à estratégia global de governo, é responsabilidade intransferível do presidente.
Daqui para frente, o sonho acabou. É ótimo que tenha acabado, para que a atuação política do presidente e da opinião pública, em favor das reformas, se dê em cima de uma discussão racional, sem disfarçar a realidade.
E para que o presidente se liberte definitivamente do tecnicismo econômico -para quem pessoas, estruturas sociais e econômicas são dispositivos tão inúteis quanto dente do siso e apêndices, que servem apenas para conspurcar o grande equilíbrio do universo, presente em suas formulações econômicas.

Outros xeques
Para não ser apanhado novamente no contrapé, seria conveniente que o presidente se valesse das lições aprendidas com a crise agrícola para prevenir desastres ainda maiores no futuro, principalmente em relação aos seguintes pontos:
1) Recessão: há sacrifícios decorrentes de ajustes inevitáveis e sacrifícios provocados por inabilidade na condução da economia. A opção de ``errar por excesso" é um escapismo. Só erra por excesso quem não tem competência para encontrar o nível adequado de sacrifício a ser imposto ao país.
2) Dívida pública: a manutenção das altas taxas de juros está lançando as sementes de uma crise fiscal que ainda vai estourar no próprio governo FHC: 20% de juros reais ao ano são mais que suficiente para atrair capitais externos. Não há nenhuma justificativa técnica para esses 45% ao ano, que apenas reforçam os receios de um calote mais para frente.
3) Câmbio e balança comercial: já se sabe que o problema existe. A maneira de enfrentá-lo, por meio da criação desordenada e pouco seletiva de mecanismos de proteção setorial, ainda vai respingar sobre o governo FHC.
4) Saúde: a próxima marcha sobre Brasília vai ser dos mortos-vivos condenados à morte pela falta de recursos oficiais.
5) Custo Brasil: a contrapartida oficial a essa política recessiva seriam as reformas extraconstitucionais, englobadas no tal projeto ``Custo Brasil". Delas, ninguém sabe, ninguém viu.

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