São Paulo, terça-feira, 18 de julho de 1995
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Eutanásia

IRANY NOVAH MORAES

A essência da morte está na ativação da catepsina pela anóxia. Catepsina é um enzima proteolítico que durante a vida permanece inativo no interior da célula. A diminuição de oxigênio determina a autólise da célula, instalando-se assim a morte. Inicialmente, morre a célula, depois o tecido e, a seguir, o órgão.
Visto o que é morte, vejamos agora o que seja morrer. Enquanto a morte é o final da vida, morrer é o processo de sua evolução no organismo. Pode-se entender aqueles que, sem medo da morte, apavoram-se com o morrer. Talvez por a morte dar a idéia de fato consumado e o morrer pode estar associado à imagem do sofrimento e da dor.
Ficou claro que a morte pode ser restrita à célula, ao tecido ou ao órgão. Entende-se que o organismo se mantém vivo à custa da morte de milhões de células que se renovam constantemente, num processo contínuo. Alguns tecidos morrem para proteger outros tecidos ou o próprio organismo.
Bons exemplos podem ser vistos na série animal onde órgãos ou grandes segmentos corporais retirados regeneraram integralmente, mantendo a vida e, mais, a função plena.
A eutanásia significa apressar a morte. É invocada para aliviar a dor ou diminuir o sofrimento. Cabe indagar: sofrimento de quem? Do doente, da família ou do bolso?
Analisemos os procedimentos alternativos do médico para com o paciente em condições de morte iminente.
Estando o paciente em coma irreversível, ou seja, em estado terminal, o médico pode comportar-se de diversas maneiras, sendo que cada uma delas tem resultados diferentes e significados diversos.
Assim, vejamos o caso perante o Código Brasileiro de Deontologia Médica: 1) apressar a morte. É a chamada eutanásia ativa. Trata-se de crime; 2) deixar de utilizar meios artificiais e adotar medidas que aliviem a dor e minimizem o sofrimento. É a chamada eutanásia passiva. Trata-se de procedimento ético.
3) após ``desmame" (tentativa progressiva de desligar de todo o maquinário), desligar a máquina. Trata-se de procedimento ético. No caso de morte cerebral, com os centros respiratórios funcionando, não há necessidade de ventilação assistida. Foi o que ocorreu com uma paciente nos EUA, cuja família acionou a Justiça para desligar a aparelhagem e, após muita discussão, o juiz autorizou, e a moça passou dez anos viva sem os aparelhos.
4) utilizar meios artificiais, logo após a morte encefálica, para manter órgãos vivos para transplante. Trata-se de procedimento ético; 5) usar meios artificiais pretendendo prolongar a vida. Trata-se de procedimento antiético.
É mister ressaltar a responsabilidade do médico em estabelecer o diagnóstico de morte e, principalmente, em definir o momento da irreversibilidade do quadro clínico. Deve ficar claro que ambos diagnósticos são afetos ao médico e dependem da sua consciência e competência.

NOVAH MORAES, 68, cirurgião vascular, é presidente da Federação Brasileira de Academias de Medicina.

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