São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 1995
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Três títulos trazem Hitchcock, o aprendiz

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Três filmes de Hitchcock que começam a circular ("Agente Secreto", "Sabotagem e "Assassinato") ilustram um instante crítico na obra do grande mestre inglês. São filmes de aprendizado, no sentido em que, ali, o cineasta ainda está descobrindo certos princípios fundamentais do sistema de suspense que criou. Mas dois deles seguem, cronologicamente, "Os Trinta e Nove Degraus (1935) e precedem "Jovem e Inocente" (1937).
"Assassinato", de 1931, é um caso diferente. O único "whodunit" da carreira de Hitchcock, que usava esse termo com certo desprezo para designar os filmes cuja única preocupação é despertar a curiosidade do espectador sobre quem é o culpado por um crime.
Nesse sentido, "Assassinato" é bem importante. Além de se beneficiar do estilo invulgar do diretor, é o filme que define -pela negatividade- o que seria o suspense: um tipo de cinema policial em que, desde o início, o espectador sabe quem é o culpado. Hitchcock via a questão sobre "quem é o culpado como uma espécie de entulho. Depois que se livra dele é que as coisas se definem e as idéias podem ser desenvolvidas. "Agente Secreto", ao contrário, é um típico suspense de espionagem, em que John Gielgud é transformado em espião, durante a Primeira Guerra Mundial. A ressalva que Hitchcock faz a esse filme adaptado de duas histórias de Somerset Maugham tem sentido. Ashenden (Gielgud) tem uma missão -impedir que um homem deixe uma cidade na Suíça-, mas sente-se repugnado por ela.
Essa ambiguidade tira, de fato, um tanto de força do herói e do andamento do filme. Mas isso se compararmos Hitchcock a Hitchcock. Se comparado ao cinema standard, há um abismo.
Ao mesmo tempo, existe no filme quase um prelúdio a "Psicose". No filme de 60, mata-se a atriz principal logo nas primeiras sequências. Aqui, Hitchcock providencia uma morte por engano (pensando matar o agente inimigo, os espiões liquidam um inocente). Mas essa morte é cercada de tais cuidados (como a composição interessantíssima, suspeitíssima, da mulher da vítima) que cria uma atmosfera forte ao mesmo tempo em que induz o espectador ao erro.
Essa primeira morte em "Agente Secreto" tem, no mais, uma construção sofisticada (graças às imagens paralelas do gato do homem que deve morrer). "Sabotagem" (de 36, como "Agente Secreto") é outro filme em que Hitchcock se acusa de alguns erros de construção.
Por exemplo, fazer com que o menino que leva uma bomba se torne um personagem simpático ao público, antes de morrer. Outra: dar o papel de Verloc, o vilão, a um ator simpático (Oscar Homolka), o que choca o espectador em dado momento.
No caso, os senões ("Sabotagem" é inferior, no conjunto, a "Agente Secreto") são fartamente compensados. Basta a cena em que Sylvia Sydney (que faz a mulher do vilão), faca em punho, corta a comida na mesa do casal, para deixar o espectador de cabelo em pé sobre o que virá a seguir.

Vídeos: "Assassinato", "Agente Secreto" e "Sabotagem"
Lançamento: Century (tel. 212-6533)

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