São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 1995
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David Mamet faz obra-prima sobre a incomunicabilidade em "Oleanna

BIA ABRAMO
DA REPORTAGEM LOCAL

Assistir "Oleanna", que está sendo lançado em vídeo no Brasil depois de uma curta carreira nos cinemas, é uma experiência excruciante. São 90 minutos de pura angústia e medo.
Nenhum tiro é disparado, nenhum sangue é derramado e os dois personagens estão tão enclausurados em sua neurose que mal têm corpo. Mesmo sem signo algum de ameaça física, "Oleana" mostra uma violência quase insuportável.
Carol, uma aluna universitária procura seu professor depois de receber suas notas. Ela surge, furtiva, enquanto o professor discute com a mulher um problema doméstico, a compra de uma casa.
Eles conversam (ou tentam, melhor dizendo) sobre a avaliação da aluna, linda e, aparentemente, burra feito uma porta e histérica feito uma virgem. O professor é acusado de assédio sexual.
O assédio sexual e o politicamente correto, temas recorrentes nas universidades norte-americanas, servem como, digamos, pretextos para um texto labiríntico sobre o desentendimento básico entre os seres humanos.
Mamet nos coloca, como nos filmes de Antonioni, às voltas com a incomunicabilidade, mas sob uma tempestade de palavras. Tudo se fala e se pergunta e se responde, mas nada, nem uma única palavra, faz sentido.
Ou antes, o sentido das palavras é disputado de forma tão neurótica, que perde a capacidade de fazer sentido. Professor e aluna circulam como fantasmas descarnados por frases proferidas e destituídas de significado.
"Oleanna foi concebida como peça de teatro, encenada em Londres e Nova York. Transposta para o cinema, manteve a densidade dos diálogos e a marcação rígida da movimentação dos atores (só os dois, o filme inteiro), mas está longe de ser teatro filmado.
A câmera persegue o jogo de gato e rato entre professor e aluna de forma a expressar a sensação claustrofobia. Mamet usa os poucos elementos do mundo físico -luz, sombra, chuva, uma xícara de chá, uma máquina de xerox- com parcimônia, para aumentar a sensação de irrealidade.
Numa era em que se vive uma espécie de embriaguez da informação, com a variedade de novas tecnologias, Mamet volta a uma questão mais primordial: para haver comunicação, é preciso haver vontade de entendimento.
Se essa vontade desaparece ou é destruída pela intolerância, por artes do entrincheiramento da sociedade, sobretudo a norte-americana, não há Internet que resolva.

Vídeo: Oleanna
Direção: David Mamet
Produção: EUA, 1994
Elenco: William H. Macy, Debra Eisenstadt
Lançamento: Alpha (011/230-0200)

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