São Paulo, quarta-feira, 19 de julho de 1995
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Mercadorias sem futuro

Uma das consequências surpreendentes do Plano Real foi o ótimo desempenho do sistema financeiro. Imaginou-se que os bancos perdessem com inflação baixa.
Outro resultado surpreendente ou inesperado na dimensão que acabou assumindo foi a brutal perda de renda do setor agrícola.
Em pronunciamento celebrando os dez anos de vida da Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM&F), o seu presidente Manoel Pires da Costa destacou ter sido de até 30% o montante de receita transferida pela agricultura, depois do real.
A BM&F é uma instituição que, teoricamente, deveria servir de ponte entre um dos setores que se deu bem, o financeiro, e outro que se deu mal, a agricultura.
Até agora, entretanto, essa ponte repousa sobre bases precárias e apenas amplifica o sacrifício da agricultura implícito ao Plano Real.
A BM&F tornou-se a terceira maior bolsa de futuros do mundo, com volume diário de US$ 11,5 bilhões. Enquanto isso, os agricultores protestam contra a falta de recursos, os juros inclementes e a ausência de uma política agrícola. A BM&F é hoje o retrato mais acabado, no Brasil, do paradoxo da escassez em meio à fartura.
A fartura para alguns, ao se fazer à custa da escassez para muitos, é por definição uma fartura frágil e insustentável. É pois com acerto técnico e sensibilidade política que o presidente da BM&F reclama do governo federal a ampliação do espaço destinado ao carregamento de estoques pelo mercado, não pelo já estressado Tesouro Nacional.
Para tanto, deve ocorrer uma modificação total na política de estoques reguladores pelo governo federal. O momento é particularmente difícil para o Tesouro, pois a supersafra e o Plano Real deprimiram os preços de mercado, tornando a política de preços mínimos onerosa para o governo federal.
Mas esse é apenas um dos graves problemas financeiros que hoje acometem a agricultura e o sistema de apoio financeiro governamental. O Banco do Brasil tem procedido a arrestos de produção e até de equipamentos, numa ânsia de sanear suas contas que poderá ter o ``efeito colateral" de contribuir para a quebra da safra 95/96.
Há portanto muito a fazer para ampliar o espaço do mercado no financiamento da agricultura. E é bom que se faça logo, antes que os produtos agrícolas se transformem em mercadorias sem futuro.

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