São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 1995
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A democracia exige

MARIO SIMAS

Procurando traduzir definitiva postura, no tocante aos desaparecidos políticos, nódoa que nos envergonha perante as demais nações, o governo federal, com a aquiescência dos ministros militares, deliberou baixar um decreto, dando os perseguidos como mortos.
Ao assim agir, busca a Presidência da República fazer com que os familiares dos desaparecidos possam regularizar suas vidas, porque muitos oficialmente ignoram até mesmo o estado civil, possibilitando, por outro lado, aos ofendidos baterem às portas do Judiciário para o ressarcimento com base na responsabilidade civil.
Tragam-se para o cenário acontecimentos ainda frescos, quando repressores de ontem, dando falsos ares de liberais, resolveram entregar os arquivos do Dops, então dependência da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo, ao domínio público, depois de conservá-los não se sabe com apoio em que lei por longo tempo em seu poder.
Tivemos oportunidade de defender muitos perseguidos políticos, alguns presos e outros no exílio, e jamais poderemos nos esquecer do frio assassinato de alguns nos porões da repressão. Que não se vislumbre no que se vem de declinar qualquer tipo de revanchismo. Não é a hora, apesar de a lei da anistia, em verdade, demonstrar um grande acordo para, a partir de então, condições se apresentarem à implantação do estado de Direito.
Registre-se, porque absolutamente necessário, que o Estado autoritário nunca reconheceu a existência de presos políticos, chamando-lhes de terroristas. Não fosse o empenho de forças daqui e do exterior, vinculadas ao que existe de melhor no terreno dos direitos humanos, a anistia não teria vindo na época em que veio, daí porque, prosseguindo no raciocínio, não conseguimos entender o perseguido de ontem fazendo hoje, ombro a ombro, a mesma política daquele que o torturou.
Mas, enfim, chamam a isso de política, de modernidade. Para nós, contudo, isso não passa do mais deslavado oportunismo e do gosto pelo poder.
Uma coisa é certa: a iniciativa do Executivo não pode e não deve ser considerada como uma postura definitiva, mormente se se tiver presente que muitos jovens foram levados a contestar o sistema, alguns de armas em punho, e morreram no entrevero com as forças de segurança ou na tortura, por terem ouvido lições de alguns mestres universitários que, em vez de permanecerem aqui, no nosso Brasil, fiéis às suas idéias e aos seus discípulos, optaram, alguns, por vida nababesca no exterior.
Sim, o passo dado é importante, mas não pode parar aí. A nação deve e tem o direito de conhecer os arquivos do DOI-Codi (Departamento de Operações e Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), hoje Secretaria de Assuntos Estratégicos, e dos decretos secretos. Passado isso a limpo, todos nós, indistintamente, perseguidos e algozes de ontem, estaremos construindo a sonhada democracia.

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