São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 1995
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Hipócrates ou hipócritas

O princípio básico da economia de mercado é a concorrência. Quando alguém deseja comprar, por exemplo, um microcomputador, não está, na maioria dos casos, interessado se é IBM, Compaq, Itautec, ou mesmo se ele tem marca. O consumidor está interessado no produto e no preço. Pesquisa Datafolha publicada ontem revela que 48% dos paulistanos que possuem um computador não sabem a marca de seus aparelhos.
No vital mercado de remédios, o consumidor está privado da liberdade de escolha. Ganham os laboratórios que, em muitos casos, investem muito em publicidade e na persuasão de médicos.
Foi para manter esse mercado viciado e lucrativo que o lobby da indústria farmacêutica conseguiu fazer morrer o projeto de lei dos nomes genéricos para medicamentos, que obrigaria os fabricantes a chamar os remédios pelo nome de seu princípio ativo, e não pelo termo cunhado pela imaginação de um publicitário. O uso dos nomes genéricos é recomendação da OMS.
A dar-se algum crédito às teses idealistas do filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel, segundo o qual todo real é racional, quando alguém entra numa farmácia para comprar uma aspirina, na realidade, não está comprando uma aspirina, mas sim ácido acetilsalicílico, o princípio ativo do medicamento.
A lei dos genéricos, forçando os laboratórios a dar maior relevo ao nome do princípio ativo e conclamando os médicos a receitar o nome genérico, ainda que indicando ao paciente o laboratório de sua confiança, reintroduziria um pouco de concorrência. Hoje, um mesmo medicamento sofre enormes variações de preço dependendo do nome com que é comercializado.
O cloridrato de fluoxetino -forte droga antidepressiva- custa bem menos se encomendado numa farmácia de manipulação do que se vier com a grife de um grande laboratório que produz o mesmo antidepressivo, com outro nome.
É urgente, portanto, reavivar a lei dos genéricos. Já é hora de o cidadão brasileiro, cuja saúde anda tão maltratada, poder escolher o remédio de acordo com as suas possibilidades financeiras, já bem curtas.
Um dos trechos do famoso juramento de Hipócrates, o pai da medicina, reza: ``Seja qual for a casa em que entre, fá-lo-ei em benefício do enfermo e abster-me-ei de qualquer ato condenável ou de corrupção". Os médicos e farmacêuticos que dirigem laboratórios e os maus profissionais que se deixam seduzir por alguns brindes parecem ter esquecido essa parte da tradição.

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