São Paulo, domingo, 30 de julho de 1995
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O QUE É FINO E COLANTE?

DA REDAÇÃO; DA "NEW SCIENTIST"

Cientistas desenvolvem fita "durex" microscópica
Os criadores da fita durex ficariam espantadíssimos ao ver como sua idéia floresceu. No mês passado, uma equipe de pesquisadores anunciou ter conseguido com que algumas moléculas se organizassem espontaneamente numa fita semelhante ao durex. Ela ficou tão fina que é praticamente invisível.
Os cientistas chamaram a nova invenção de nanotape e sua aplicação poderá ser tão ampla como a de uma fita comum.
Entre as várias aplicações do nanotape, estão o revestimento de vasos sanguíneos artificiais e o uso como lubrificante de discos rígidos de computadores.
Há várias maneiras de se "construir" moléculas que se organizam em estruturas que podem ser aproveitadas no futuro.
Há mais de 80 anos, os físicos norte-americanos Irving Langmuir e Katharine Blodgett desenvolveram uma maneira de construir películas espessas com um grupo de moléculas chamadas de anfifílicas.
Essas moléculas se caracterizam pela presença de grupos químicos com afinidades totalmente opostas.
Um dos lados, chamado de "cabeça", tem grande afinidade com a água (hidrofílico, do grego "amigo da água") e o outro, a "cauda", repele a água (hidrofóbico, do grego "horror à água").
A cauda dessa molécula é uma longa cadeia de hidrocarbonetos, que se misturam com óleo.
Os hidrocarbonetos são compostos químicos formados exclusivamente por átomos de carbono e hidrogênio.
Em 1858, Friedrich Kekulé e Archibald Couper demonstraram que o carbono é capaz de formar longas cadeias, isto é, possui, a capacidade de ligar vários de seus átomos entre si ou com átomos de outros elementos químicos de muitas maneiras e em número praticamente infinito.
As moléculas de detergentes, por exemplo, são anfifílicas. Elas funcionam porque uma ponta atrai a gordura enquanto a outra se dissolve na água.
As moléculas anfifílicas têm uma característica peculiar. Quando elas estão flutuando na superfície da água e se aproximam, se reorganizam numa película fina.
A espessura dessa película é de apenas uma molécula, sendo que todas as pontas hidrofílicas -que têm maior afinidade à água- ficam de um dos lados da película e todas as pontas hidrofóbicas -com menor afinidade à água- ficam do outro lado.
Langmuir e Blodgett construíram películas semelhantes a essa mergulhando e retirando repetidas vezes um pedaço de vidro em água coberta por uma camada única de moléculas anfifílicas.
Na primeira vez que o vidro foi mergulhado, as pontas hidrofílicas das moléculas flutuantes -e apenas elas- "grudaram" no vidro. As pontas hidrofóbicas não se ligaram à superfície do vidro.
Na segunda vez que o vidro foi mergulhado, as pontas hidrofóbicas, que estavam "penduradas" no vidro, se ligaram às pontas hidrofóbicas das moléculas que estavam flutuando na solução.
Depois de sucessivos mergulhos, formou-se uma película que consistia de bicamadas: todas as cabeças hidrofílicas ficaram de um lado e todas as caudas hidrofóbicas ficaram do outro, formando uma película que recobriu todo o vidro.
Construindo películas
Mas esta não é a única maneira de construir películas que sejam anfifílicas.
Pode-se construir também películas que consistem de monocamadas, onde as cabeças e as caudas ficam muito próximas umas das outras.
Tais películas poderiam ser potencialmente úteis na fabricação de sensores finos e de outros dispositivos.
Entretanto, a técnica desenvolvida por Langmuir e Blodgett -o mergulho na água- é complicada e consome muito tempo.
E mais. Quanto mais se mergulha, mais as camadas ficam desordenadas.
Assim, para se obter uma película fina e resistente- mas grossa o suficiente, diga-se, para que possa ser manipulada sem que se rasgue- deve-se tentar uma outra tática.
Samuel Stupp e seus colegas da Universidade de Illinois em Urbana-Champaign (EUA) conseguiram desenvolver uma nova técnica que permite obter essa película.
No encontro da Sociedade Química Americana em Anaheim, Califórnia (EUA), Stupp apresentou a película recém-desenvolvida.
Ela era composta por moléculas com uma cabeça hidrofílica, que continha um grupo fenol, uma cauda hidrofóbica, que continha uma longa cadeia de hidrocarbonetos, e uma parte central formada por unidades de isopreno, os quais podem se unir a outras moléculas e formar uma cadeia polimérica.
Fenóis são compostos químicos onde um grupo hidroxila se liga a um tipo de cadeia carbônica chamada de anel aromático. O isopreno por sua vez, é um tipo de hidrocarboneto. Vários isoprenos ligados, por exemplo, formam a borracha natural.
Segundo a técnica de Stupp, as moléculas são dissolvidas em um solvente apropriado e simplesmente pingadas sobre uma superfície. Não é preciso mergulhá-las em água, como na técnica de Langmuir.
Quando o solvente se evapora, as moléculas se organizam espontaneamente formando uma película que chega a ter 150 moléculas de espessura.
O importante, diz Stupp, é que a película deveria ser suficientemente grande para ser útil em escala macroscópica, mas suficientemente fina para ser usada em escala nanométrica (um nanômetro é a bilionésima parte do metro).
"Se você quiser revestir um disco rígido ou vaso sanguíneo é necessário algo que seja macroscópico", afirma Stupp.
"Com nossa técnica, deixamos que as moléculas se auto-organizem formando uma película ultrafina sobre uma superfície macroscópica."
Ele não sabe, entretanto, porque as moléculas formam uma película tão rapidamente.

Tradução de Lisa Aron

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