São Paulo, segunda-feira, 31 de julho de 1995 |
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`Carmen' carrega contradições do Brasil
INÁCIO ARAUJO
Desde os anos 40 até sua morte, em 1955, difundiu uma idéia ambígua do Brasil: de um lado, havia a alegria latina -que representou explosivamente-, de outro, a imagem um tanto caricatural de um país atrasado (ligado exclusivamente à agricultura). É nesse nó que o mito de Carmen Miranda criou que se instala o documentário "Carmen Miranda - Bananas Is My Business", dirigido por Helena Solberg. Brasileira do Rio de Janeiro, há 20 anos nos EUA, Solberg trabalhou em conjunto com o norte-americano David Meyer, com quem está casada há 8 anos. No Brasil para o lançamento do filme -que tem pré-estréia hoje às 21h30 e estréia programada para o dia 4 de agosto no Espaço Banco Nacional de Cinema- Solberg e Meyer falaram à Folha sobre o filme, já lançado em Nova York. Folha - O que vocês procuraram ao fazer a biografia de Carmen Miranda? Helena Solberg - O filme é uma busca da imagem de Carmen, em meio às contradições que se criaram em torno dela. E espero que represente, também, um resgate da nossa própria imagem. Folha - "Carmen Miranda" é um documentário narrado na primeira pessoa. O que determinou essa forma? Solberg - A emoção pessoal determinou a narrativa. Não havia a intenção de buscar essa forma confessional, em que eu mesma falo de Carmen e do que ela representou para mim. Essa forma se impôs à medida que desenvolvemos a pesquisa. Em dado momento, o filme se tornou algo muito pessoal. Mas eu e David trabalhamos juntos o tempo todo. O filme é a soma desses olhares sobre Carmen. Folha - Como ela se deu? Solberg - Nós tínhamos experiências muito diferentes. Para David, Carmen é uma personalidade da cultura de massa americana. A minha visão, ao contrário, era mais nostálgica. David Meyer - Eu não conhecia, por exemplo, a Carmen pré-Hollywood. Nesse sentido, houve um cruzamento de informações ao longo do trabalho. Folha - O filme sustenta que Carmen era uma grande estrela em Hollywood. No Brasil, sempre desconfiamos disso. Solberg - Nós descobrimos que em 1941 ou 42, já não estou certa, ela foi a atriz mais bem paga de Hollywood. Isto é um dado do departamento norte-americano de Imposto de Renda, e fala por si só. Meyer - Mas é verdade que Hollywood nunca soube usar Carmen Miranda fora daquele tipo inicial que criou. Solberg - E havia um tanto de preconceito em relação à América Latina. Disfarçado, mas bravo. Folha - O filme trabalha sobretudo o preconceito que o sucesso de Carmen teria criado no Brasil. Solberg - Ela é um fato contraditório, culturalmente. Era um fenômeno nacionalista, conectado com a idéia de brasilidade que surge no modernismo e nos anos 30 difunde-se popularmente. Ao mesmo tempo, havia Hollywood, o risco de americanização, e isso provocava muita resistência no Brasil. Meyer - Uma coisa que me impressionou, certa vez, foi quando fomos ver "Uma Noite no Rio" (de Irving Cummings, 1941). É um filme medíocre. Mas quando ela entra em cena, ilumina a tela. Na minha terra, Carmen é vista como uma caricatura. Mas é muito mais do que isso. Folha - Existe inclusive uma referência forte, no filme, sobre o significado da chegada dela aos EUA. Solberg - Sim. Isso nós encontramos em um jornal da época. O que se dizia era que, quando Carmen Miranda chegou aos EUA, todos souberam que a Depressão havia terminado. Meyer - E isso tem relação com a força e a significação dela. Poucos meses depois de chegar, ela já tinha gravado as mãos e os pés na "calçada da fama" de Hollywood. Folha - Apesar de ser um documentário, vocês introduziram uma atriz imitando Carmen. Solberg - Perguntamos a Aurora Miranda se havia alguma mulher capaz de imitar a irmã dela. Aurora disse: `Não há uma mulher, mas há um homem'. E nós fizemos as cenas com ele, Erik Barreto. Próximo Texto: Atriz é ícone da brasilidade Índice |
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