São Paulo, quarta-feira, 2 de agosto de 1995
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Gravuras mostram alegria de viver de Miró

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Exposição: Obra Gráfica de Miró
Onde: Pinacoteca do Estado (av. Tiradentes, 141, tel. 011/227-6329, Luz, região central de São Paulo)
Quando: abertura amanhã para convidados, sexta para o público; até 4 de setembro
Visitação: terça a domingo, das 11h às 18h

"El Soñador" chega a São Paulo. A ``Obra Gráfica" do gênio modernista espanhol Joan Miró (1893-1983) pode ser vista a partir de sexta na Pinacoteca do Estado, comemorando -já que aqui não foi comemorado- seu centenário com dois anos de atraso.
Obra gráfica? -alguns talvez perguntarão com desdém, imaginando uma faceta menor do grande pintor. Entre outros prodígios, Miró fez o de tornar a gravura um gênero maior.
A exposição da Pinacoteca traz 50 obras dos anos 60 e 70, vindas da Fundação Adrien Maeght, em Paris (França), que já levaram 50 mil pessoas à Casa França-Brasil no Rio, nos últimos dois meses.
Mas com um adendo extraordinário: 31 livros do acervo do empresário e bibliófilo José Mindlin, entre os quais ``Constellations", editado em 1959, cujas 22 pranchas serão postas à vista.
Esse conjunto tira-fôlego mostra que Miró e gravura nasceram um para o outro. A economia de recursos exigida pela gravura e sua natureza de reprodução são características de toda a arte de Miró.
Que o diga o também espanhol (e catalão) Antoni Tàpies, 72, cujas gravuras os paulistanos viram recentemente, na Dan Galeria.
Na gravura e na pintura, a alegria de viver de Miró começa como alegria de pintar. Assim, ele tirou da gravura a pecha de ``expressionista", pois tradicionalmente -desde Goya até o nosso Goeldi- ela tem sido vista como um meio adequado a tons soturnos e imagens tristes.
Miró deu a ela exatamente o que vinha dando à arte: um sentido de liberdade, um uso absolutamente sensual de formas e cores, que transmitem uma espontaneidade e expansividade que não se tinham visto antes na história.
E o que é mais espantoso: nessa liberdade há um conhecimento, uma confluência de informações, uma disciplina técnica incríveis. Como seus pares modernistas Picasso, Matisse e Mondrian, Miró abriu um novo mundo artístico até hoje por explorar.
Em grandes artistas como esses, separar forma e conteúdo é fazer uma distinção de carochinha.
Confira na exposição. Miró, como o cineasta Jean Renoir (1894- 1979), adorava mulheres, pássaros, danças, canções, poesias, saltimbancos, estrelas, histórias em quadrinhos, jogos; e, também como Renoir (para fazer uma homenagem ao centenário do cinema), levava esses elementos para a tela com a mesma vitalidade.
Essa tradução é feita por uma composição espacial que é a marca do seu gênio, por cores vivas (amarelo, vermelho, azul, verde) intercaladas por largas e longas pinceladas em negro, pelo uso deliberado de ``ruídos" como rabiscos e respingos e pelos símbolos e ícones de seu repertório.
Lá estão os ``chifres", que Miró derivou de vinhetas da arte e arquitetura catalãs; as ``setas", que lembram a representação do pênis na pintura primitiva de Altamira, Espanha, onde estudou; e os ``ganchos", inspirados em imagens publicitárias de pentes.
Estruturalmente, espirais, traços diagonais e pinceladas curvas rompem as coordenadas vertical-horizontal. O lúdico domina. Seus sóis são borrões; as estrelas, como as de criança, são quatro traços.
Esses símbolos e incidentes Miró espalha pela tela sem hierarquia, como num grafite. Faz com que forma e fundo interajam -talvez fosse melhor dizer, copulem.
``Isso é `pintura pura', se é que já existiu alguma", escreveu o crítico americano Clement Greenberg em 1944. Mas ele amava as coisas e as pessoas: o que fez foi pintura livre, livre como um sonho.
Não há chão em Miró. Ele dizia amar, sobretudo, o céu. E pintou o céu que os desejos ambicionam.

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