São Paulo, sábado, 5 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Compromisso ético

JOSÉ WANDERLEY NETO

O Sistema Único de Saúde é uma conquista da sociedade, legitimada na Constituição, e que deve ser compreendida como uma ação de cidadania, em um compromisso ético de garantir ações mínimas de saúde a todos os brasileiros. A consolidação dessa conquista é uma tarefa generosa e inadiável, até para mantermos a nossa unidade nacional.
Não é admissível na virada do século, sob qualquer argumento, retrocedermos a um passado em que o cidadão carente era chamado de indigente.
No momento, esse sistema passa por uma das suas maiores crises. Embora tenha avançado em suas concepções, com a descentralização (municipalização) e, principalmente, com o controle social (conselhos de saúde municipais, estaduais e nacional), o financiamento ficou estagnado e insuficiente para manutenção de suas ações e para a necessária ampliação, por crescimento da população e incorporação de tecnologia.
Não bastassem as novas demandas, o orçamento do Ministério da Saúde foi abalado por encargos não-previstos, e, por força do projeto de estabilização econômica, o orçamento foi liberado em duodécimos insuficientes para o provimento das ações de doenças (hospitais e ambulatórios) e de saúde.
A falta de recursos adia importantes ações de saúde, já planejadas pelo ministério, capazes de mudar o modelo assistencial e o quadro sanitário do país, como o Programa de Saúde da Família e dos Agentes Comunitários.
Para sustar esta morte iminente e anunciada do SUS, não há outra saída que não a CMF, por prazo determinado e vinculada ao Fundo Nacional de Saúde. Não houve até agora quem contestasse a necessidade dos recursos para salvar o sistema, ou outra saída emergencial consistente.
As argumentações de que há fraude no sistema, de geração de inflação e até de postulação política do ministro são inconsistentes e carecem de fundamentação técnica. O centro da questão é: devemos ou não humanizar o sistema de saúde e abrigar os mais carentes?
A denúncia de fraudes já apuradas e punidas pelo próprio Ministério da Saúde nos chama atenção para a existência de interesses poderosos, ainda a saírem da sombra, no sentido de torpedearem a CMF e, consequentemente, o SUS.
A demonstração da necessidade do recurso e o plano de aplicação apresentado ao Congresso, realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Conselho Nacional de Saúde e secretários de Saúde, mostram a transparência e o pacto de gestão que estão sendo estabelecidos pelos governos e pela sociedade (conselhos de saúde e Congresso) para que o dinheiro arrecadado chegue a seu destino.
A defesa da CMF é hoje a defesa do SUS, que terá, após vencida essa batalha, que encontrar solução estrutural definitiva para o seu financiamento, solução cobrada pela população e explicitada em recente pesquisa (Ibam-Ibope) que elegeu a saúde como prioridade nº 1 a ser resgatada.
O discurso de impopularidade da CMF não deve ser um argumento consistente para nossos parlamentares, pessoas com sensibilidade social e conhecimento in loco dos problemas mais agudos dos mais carentes. No momento não temos outra saída, ou viabilizamos a CMF ou teremos o caos instalado. O debate está estabelecido, compete agora ao Congresso dar resposta às necessidades legítimas, abraçando a causa da população brasileira, principalmente os mais carentes, aqueles que não têm voz.

Texto Anterior: O ideal é a fórmula permanente
Próximo Texto: Juízes classistas; Novas tecnologias; Varinha mágica; Falta um "p"; A greve dos petroleiros; Um estranho entre nós; Publicidade e arte; Tragédia real; Dias insanos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.