São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 1995
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Justiça tributária

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Nas propostas de reforma tributária que o governo vem apresentando aos poucos nas últimas semanas, não se detecta, por enquanto, uma preocupação com a justiça tributária. Pelos motivos que mencionei no artigo da semana passada -a péssima distribuição da renda e da riqueza no Brasil e o caráter regressivo do próprio sistema tributário- não se pode aceitar que este tema não figure com destaque na reforma que se deseja realizar.
Uma das características marcantes do sistema tributário brasileiro é a sua regressividade, vale dizer, o fato de que os tributos, em seu conjunto, oneram proporcionalmente mais os setores de menor renda e riqueza. Uma razão disso é o peso da carga tributária indireta. Em 1994, os tributos indiretos responderam por 54% da receita da União, dos Estados e dos municípios.
Outra razão é a reduzida tributação da propriedade. Estudo recente, financiado pela Febraban, registra que o Brasil situa-se, nesse campo, abaixo do padrão internacional.
Os impostos sobre a propriedade imobiliária urbana e rural, por exemplo, correspondem a 2,1% do PIB nos países da OCDE e a apenas 0,3% do PIB do Brasil. O economista Fernando Rezende, um especialista em questões tributárias, observa que até países da África tributam mais intensamente a propriedade do que o Brasil.
A própria condução da política tributária reforça a injustiça do sistema. Os inúmeros mecanismos de isenção e incentivo fiscal, por exemplo, beneficiam sobretudo os setores de alta renda e as empresas maiores.
A desestruturação da máquina de fiscalização e cobrança, aliada à falta de vontade política de combater a sonegação e outras formas de evasão praticadas pelos ricos, também contribui para aumentar a regressividade da tributação.
Um estudo realizado no ano passado na Receita Federal procurou estimar a taxação efetiva sobre o consumo, o trabalho e o capital no Brasil, comparando-a com a que se verifica nos sete principais países desenvolvidos, o chamado Grupo dos Sete (G-7).
No Brasil, os rendimentos do capital pagam uma alíquota efetiva média de 8%, contra uma média de 38% no G-7. Sobre o consumo, a alíquota média é de 17% no Brasil e de 13% no G-7. O rendimento do trabalho é o mais taxado no Brasil, com alíquota média de 19%, que, embora bem mais baixa do que a média de 33% do G-7, é mais que o dobro da que se aplica sobre rendimentos do capital no Brasil. O estudo contratado pela Febraban aplicou a mesma metodologia e chegou a números muito parecidos.
Recentemente, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em pronunciamento transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, afirmou que é preciso modificar artigos injustos da Constituição. "Na área tributária", disse ele, "é injusto que os mais ricos paguem pouco imposto, enquanto os assalariados pagam muito".
A frase do presidente é inquestionável. O problema está na vinculação entre justiça tributária e reforma constitucional. A modificação do quadro de injustiça tributária não depende, a não ser marginalmente, de emendas à Constituição. O Imposto sobre Grandes Fortunas, por exemplo, já está previsto na Constituição; sua instituição requer lei complementar. O projeto de lei original é do então senador Fernando Henrique Cardoso...
Outro exemplo: o aumento da progressividade do Imposto de Renda, fortemente reduzida pelas modificações introduzidas em 1988, só requer legislação infraconstitucional. O mesmo comentário se aplica à instituição de algum mecanismo de renda mínima ou Imposto de Renda negativo.
Outras medidas, como a diminuição da pesada carga indireta sobre produtos de consumo essencial ou o reaparelhamento da administração tributária e o combate à evasão, não precisam nem sequer passar pelo Legislativo.
Quanto a esse último ponto, vale lembrar que o então senador Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro relator da CPI da Evasão Fiscal, que realizou extensa investigação do problema e das medidas necessárias para enfrentá-lo. O presidente nega a autoria da frase que lhe atribuem ("esqueçam o que eu escrevi!"), mas parece, às vezes, pautar-se por ela.

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