São Paulo, quinta-feira, 10 de agosto de 1995
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A desorganização do setor de gás combustível

LUIZ GONZAGA BERTELLI

A distribuição do gás liquefeito de petróleo no Brasil teve início há quase 60 anos, pouco tempo depois da introdução do combustível nos países do Primeiro Mundo.
Hoje, o Brasil responde por aproximadamente 5% do consumo mundial de gás de botijão. Em termos domésticos, absorve quase 10%, ou seja, mais de 5,5 milhões de toneladas/ano, onde 85% são destinados à cocção de alimentos e 15% ao uso comercial e industrial.
Atualmente, 17 empresas são responsáveis pelo mais abrangente serviço de infra-estrutura do país, prestado totalmente pela iniciativa privada.
Essa atividade emprega cerca de 200 mil pessoas para atender todos os municípios brasileiros, chegando a 90% dos domicílios e abastecendo mais de 130 milhões de habitantes. Para isso, cerca de 120 bases industriais e mais de 25 mil bases de distribuição, alavancadas por 17 mil veículos e 42 mil representantes, fazem circular 1,4 milhão de botijões por dia.
O fornecimento de gás engarrafado, salvo excepcionalidades, nunca esteve relacionado entre os principais problemas enfrentados pela população. Pelo contrário, é considerado um dos serviços públicos mais confiáveis.
Mas o que pode haver de errado com um setor dessa envergadura cujo serviço é essencial e o único que conseguiu acompanhar o crescimento da nacionalidade?
O setor simplesmente se deteriorou. A origem do problema é antiga e está ligada ao preço baixo do produto -um dos mais baixos do universo, inclusive entre os países vizinhos da América do Sul-, seguido de um penoso e inflexível processo de reajuste.
Baixa remuneração, sinônimo de situação financeira vulnerável, torna proibida, por sua vez, a realização dos investimentos de reposição, ampliação e modernização da atividade, fato que já vem acontecendo há alguns anos.
As distribuidoras tendem a ser em número cada vez menor, pois apenas com a agregação em maior escala as empresas conseguem sobreviver. Os representantes, que operam para elas, vêm tendo sua condição também limitada, com margens na metade de suas necessidades para a prestação de um serviço eficiente.
Dessa forma, houve reconhecida redução na qualidade do atendimento, cuja consequência é a proliferação dos clandestinos, trabalhando à margem da lei. Registra-se a ausência absoluta de alteração nos produtos oferecidos durante os últimos 20 anos, pois um amplo programa de inspeção e testes nos botijões, melhoria de aparência e substituição adequada de válvulas carece de recursos indisponíveis e é pequena a capacidade de estocagem do derivado de petróleo.
Esses reflexos de uma estrutura de preços defasada desorganizaram o setor de tal maneira que passaram a afetar os 130 milhões de consumidores, principalmente no que diz respeito à segurança e à certeza de abastecimento regular.
Um resistente e anacrônico entulho legislativo atrapalha ainda mais o funcionamento do setor de distribuição de gás de cozinha e configura grave infração ao direito do consumidor, legítimo proprietário do botijão.
Trata-se da questão que envolve o uso dos botijões (disciplinado pela portaria 843/90) do extinto Ministério de Infra-Estrutura. Pareceres de notáveis juristas e manifestações dos tribunais enfatizam que os botijões são bens tipicamente fungíveis e, dessa forma, suscetíveis de substituição por outros da mesma qualidade e quantidade -o que significa que nada há nos aspectos técnicos legais que justifique a proibição do engarrafamento dos botijões de outras marcas.
O resultado de tudo isso, até agora, é a destruição progressiva de um sistema confiável que, para resgatar sua imagem, se reorganizar e voltar a prestar o mesmo serviço pelo qual se destacou, não pode abdicar de liberdade para empreender, ao lado de normas rigorosas de proteção do consumidor.

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