São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O desafio

JANIO DE FREITAS

Uma pergunta simples, que até prescinde de resposta, estabelece o grau de competência política do governo no trato do caso Dallari: quando este secretário receber, como faz todos os dias, empresários para discutir preços, cotas, impostos -e nem precisa que sejam os seus clientes da Associação de Supermercados, podem ser vendedores de palitos-, o que é que a opinião pública pensará do possível aumento?
Não é sobre Dallari que recaem os ônus da sua permanência, mas sobre o governo e, em particular, sobre Fernando Henrique Cardoso. Quaisquer que sejam a seriedade e os resultados das investigações sobre recibos e recebimentos, está fixada a conexão Dallari/grandes empresários. Não há o que a apague. Nem o que apague sua consequência lógica: a conexão do governo com interesses de grandes empresários.
Os dois argumentos expostos pelo governo, para a permanência de Dallari, são de uma pobreza política e ética de fato rara. A ``garantia do direito de defesa" não depende da permanência no cargo. Está sendo muito citado o caso de Henrique Hargreaves, que, citado na CPI do Orçamento, se afastou do Gabinete Civil de Itamar Franco e, de fora do governo, derrubou as suspeitas e voltou ao cargo.
O argumento de que muitos outros no governo têm sua origem em consultorias, tal como Dallari, vale como confissão da promiscuidade que indiferencia, a não ser por circunstâncias temporárias, a função de orientar empresas para obter vantagens do governo e a função de decidir pelo governo em torno de interesses financeiros privados.
A permanência de Dallari no cargo significa a sua permanência no foco, agravada pelo que essa decisão representa de desafio a políticos e à opinião pública. O primeiro teste da habilidade política de Fernando Henrique Cardoso deu em resultado desastroso.

Os vitoriosos
``As condições desses trabalhadores são similares às de escravos. Eles não têm qualquer garantia ou proteção. Trabalham exclusivamente para sobreviver e poder trabalhar no dia seguinte." São palavras do procurador do Trabalho no Rio, Carlos Barroso, durante inspeção, anteontem, da situação dos cortadores de cana em usinas de Campos, no norte fluminense. Entre as constatações, a de que nem água (repito: ÁGUA) é dada aos trabalhadores -muitos deles, crianças.
Enquanto acontecia a inspeção, o governador Marcello Alencar e o secretário de Indústria e Comércio do Estado do Rio, Ronaldo Cesar Coelho, visitavam Campos. Onde comunicaram aos usineiros a sua inclusão entre os isentos do imposto de exportação. Esse privilégio ``é fruto", diz uma nota do governo fluminense, ``da luta desenvolvida pelo governo do Estado do Rio" e foi obtida do Ministério da Indústria e Comércio naquele mesmo dia.
Pelas irregularidades e crimes, os usineiros vão pagar, por trabalhador escravizado, R$ 378. Não faz mal: a isenção do imposto é milhares de vezes maior.

Texto Anterior: Caso provoca atrito iinterno
Próximo Texto: Para Serra, saúde tem `orçamento razoável'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.