São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 1995
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Adriane Galisteu faz foto antológica

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

H á muito tempo a revista "Playboy" não causava tamanho escândalo.
As fotos de Adriane Galisteu na Grécia têm criado um clima de comoção, de revolta, de crítica. Adriane Galisteu é uma daquelas que não serão facilmente perdoadas pela opinião pública.
Dois fatores estão em jogo. O primeiro é que Adriane Galisteu foi namorada de Ayrton Senna. O segundo é que, na revista, ela aparece numa foto raspando a região pubiana.
Espuma de creme de barba, aparelho gilete, a expressão do rosto é concentrada, quase profissional. O sofá, as sandálias, a blusa presa só por um botão, nada sugere uma situação íntima que estivéssemos flagrando por acaso. É uma foto posadíssima, artificial. E aí começa o escândalo.
Imagino que o espectador se revolte diante dessa foto exatamente porque ela parece ter sido feita "de propósito".
Não há nada de sensual ou de excitante na cena: um close do ato depilatório teria mais eficácia. Não, caro leitor da "Playboy", esta foto não foi feita com o objetivo de excitá-lo.
A cena é mais crua do que qualquer nudez. Não é nem mesmo "crua; é "real", apenas. Real, mas posada; naturalística e falsa ao mesmo tempo. É uma provocação, já que nem sequer a sensualidade a justifica.
A provocação deu certo. A foto é alvo de comentários desfavoráveis. Trata-se de um grande lance publicitário e, talvez, mais do que isso; uma foto antológica, na minha opinião. Tento explicar por quê.
Mas antes, tenho de voltar ao primeiro fator de indignação: o fato de Adriane ter sido namorada de Senna.
A antipatia com relação a Adriane Galisteu é generalizada. Só me lembro de outra coisa parecida: foi quando Jacqueline Kennedy resolveu casar-se com Onassis. Viúva, jovem, bonita, Jackie parecia conspurcar a perfeição que fora seu casamento com John Kennedy.
Quando se casou com Onassis, milionário grego feiíssimo, a sensação geral foi a de que Jackie estava se prostituindo. Todo admirador de John Kennedy sentiu-se traído.
Nunca tive maiores simpatias por Ayrton Senna, mas é compreensível que o caso Galisteu repercuta desfavoravelmente.
Como! Posando nua para a "Playboy"? O episódio é visto como um desrespeito à memória do herói.
Não sei se é consciente ou inconsciente, aliás, o cenário escolhido para as fotos: a Grécia dos heróis, a Grécia de Onassis.
Cabe perguntar, entretanto, qual o sentido que há em determinada mulher estar posando nua para a "Playboy".
Tem de ser bonita, é claro. E Adriane Galisteu é muito bonita. Mas também é claro que, para a "Playboy", beleza deixou de ser fundamental.
O decisivo é outra coisa: além de ser bonita, a mulher fotografada tem de ser famosa. De preferência, tem de ser o tipo de mulher famosa que nunca posaria nua para a "Playboy". Não estão apenas à procura de corpos e rostos belíssimos -qualquer "playmate, qualquer garotinha daria conta do recado.
Mas quando fotografa alguma personalidade feminina de destaque -uma delegada belíssima, uma jogadora de vôlei, uma atriz séria- "Playboy" oferece ao leitor mais do que um corpo feminino atraente.
"Playboy" oferece ao leitor as alegrias de uma conquista. Cada mulher famosa que concede aparecer nas páginas da revista é uma mulher "conquistada simbolicamente".
"Playboy" mostra não só uma mulher nua, mas uma vitória; mostra mulheres que se renderam ao assédio.
O leitor não se alegra apenas pela beleza da mulher Fulana de Tal, mas pelo fato de que é a Fulana de Tal e está ali, nas páginas da "Playboy".
Evidente que, neste contexto, a aparição de Adriane Galisteu se torna sensacional.
O leitor imagina, nas fotos, que Ayrton Senna está sendo traído a cada sorriso da menina. Adriane estaria traindo Ayrton com a "Playboy" -o leitor indigna-se e fica excitado ao participar da brincadeira.
E é nesse contexto que a foto de Adriane Galisteu se depilando ganha um significado especial. É um desmascaramento, uma hipermistificação.
Basta perguntar: para que, afinal, Adriane se depila? Resposta óbvia: ela está se depilando para o fotógrafo da "Playboy". Surpreendemos a moça em seu profissionalismo de modelo! Mais do que isso: a foto revela de algum modo a artificialidade de todo o ensaio fotográfico.

Dupla imperfeição
Sabe-se que a mais linda mulher, quando posa para a "Playboy", precisa de durex e fita crepe para manter tudo esticadinho. Não há mulher perfeita.
E, no caso de Galisteu, revela-se uma dupla imperfeição: primeiro, a de que sua beleza física tem de conhecer alguns retoques de prestobarba.
A segunda imperfeição é a imperfeição "ética" -olha aí, a amada do Senna caprichando para ganhar um cachê!
Minha ressalva é a de que não há nada de antiético em aparecer nua tendo sido namorada de Ayrton Senna; tudo é show business e a moça está tratando de sua vida. Pior seria se neurotizasse a viuvez.
Mas a foto é obscena e ao mesmo crítica: "Vejam o que ela está fazendo para aparecer na `Playboy'" .
Supera-se, com isso, o plano mais ingênuo da simples excitação sexual. Há uma excitação moral, realçada pelo fato de todo o "décor" da foto não ser adequado a uma depilação. Onde a pia, onde o bidê? Não. Adriane Galisteu se depila no sofá onde mandaram que ela se depilasse.
Muita gente ficou indignada com isso. José Simão acusou a moça de breguice. "Até a xereca é brega", disse ele.
Ora bolas. O problema não é de breguice, é de venalidade; o que se explicita não é a "xereca", mas sim o que faz um bom cachê. Claro que há breguice nas sandálias de salto alto -não sei por que uma mulher tem sempre de aparecer nua e calçada nas fotos eróticas. Mas, fora isso, do ponto de vista estético não há o que reclamar.
E, do ponto de vista moral, minha principal reclamação é quanto ao anúncio, nas páginas da mesma revista, de um serviço telefônico, o Tele-Galisteu ou seja lá que nome tenha.
Você liga para 900-0737 e ela conta histórias e lembranças a respeito de Ayrton Senna. Isso já é faturar demais.
Radical mesmo seria mostrar Adriane Galisteu de lingerie preta, com uma lágrima nos olhos. Mostrá-la nua num autódromo. Agarrada a um caixão de defunto.
Mas as pessoas se escandalizam com muito menos.

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